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Um Chamado a Ação

No dia 7 de junho passado, os americanos comemoraram seu Dia Nacional da Trilha. E nós, o que temos para comemorar ?

Na última páscoa, passei tres dias limpando uma trilha que já conhecia de anos atrás - e que agora estava praticamente fechada. O que levou, há dois anos, seis ou oito horas para subir, custou-me praticamente dois dias para limpar.....

Agora, qual a razão de estar resgatando uma trilha..... Certamente não foi apenas para criar assunto para a próxima edição. De fato, há razões mais importantes. Uma trilha não é apenas matéria para consumo dos leitores, ou uma oportunidade de recreação, um bom pretexto para fugir às complicações urbanas, ou válvula de escape aos stress da civilização. Uma trilha também é um legado, uma herança de ancestrais esclarecidos, um patrimônio a ser dividido com outros aventureiros e amantes da natureza - e por isto mesmo precisa ser mantida aberta.

Uma razão adicional para eu estar lá trabalhando, é que a trilha em questão atravessa um Parque Nacional - que, paradoxalmente, não dá a mínima se ela continua aberta ou fechada. Aliás, para eles talvez fosse melhor mesmo que ela desaparecesse de vez: menos dor de cabeça. Muitos diretores de Parques ainda acreditam ingenuamente que a natureza a seu encargo precisa ser mantida intocada e pura, poupada de qualquer contaminação estranha, representada por exemplo por...visitantes humanos.

No entanto, não se pode valorizar o que não se conhece. Não se pode proteger o que não se ama. E não se pode destinar impostos à preservação do que não tem qualquer utilidade à sociedade e ao contribuinte. Um Parque cuja visitação é proibida, perdeu sua razão de ser, e poderia tranquilamente ser devolvido a seu uso anterior, como pasto, roça, ou extração de pedra ou madeira. Menos despesa! Ah, mas se a área em questão merece ser preservada em seu estado selvagem, por sua paisagem deslumbrante, por sua ecologia ou geologia peculiares, é preciso que possa também ser visitada, conhecida, apreciada, amada. Trilhas fazem exatamente isto: um rasgo de um metro de largura permite a preservação de quilometros quadrados ao redor. As pessoas podem então andar pela trilha e conhecer as maravilhas do lugar - a pé, que é a forma mais eficiente e duradoura de conhecer alguma coisa, do que escutando discursos sobre ecologia e preservação ambiental. Trilhas através de "Unidades de Conservação" são, portanto, um instrumento de apreciação e conservação da natureza selvagem.

O descaso, justamente da parte de quem deveria estrar preservando estas Unidades, é importante razão adicional para que nós, excursionistas, devêssemos estar mais envolvidos com o resgate de velhas trilhas. Nos últimos anos, as recém-surgidas Federações de Montanha tem se engajado em causas dignas, como distribuição de folhetos educativos ou coleta de lixo em trilhas turísticas (e sujíssimas). Mas para não entrarem em confilto com o Ibama ou o Serviço Florestal (e consequentemente se "queimarem") têm evitado abordar assuntos polêmicos, como a reabertura, manutenção e direito ao uso de antigas trilhas, que em décadas passadas foram caminhadas clássicas. Enquanto isso, elas estão se fechando - um erro de manejo... Dois anos atrás, após o grande incêndio que devastou Itatiaia, o Parque perdeu excelente oportunidade de aproveitar a limpeza (causada pela queimada), e, com muito pouco esforço, manter abertas as trilhas que, em próximos incêndios, facilitariam o acesso a equipes de combate ao fogo. .. Até se consegue compreender a falta de empenho de Diretores e funcionários, quando se percebe que, para eles, a área de um Parque não passa de um acervo (como um museu, ou um prédio tombado), a ser mantido com muita dor de cabeça. Quando se deduz que não sentem a menor atração por áreas agrestes, ou qualquer identificação com a mágica que sentimos andando por uma trilha. O Parque, afinal, para eles não passa de seu trabalho, seu ganha-pão. Mas para nós, frequentadores e visitantes, esta atitude é um descaso também com nossos direitos...

A grande travessia de Itatiaia, uma das matérias desta edição, foi recentemente limpa. Está aberta, sinalizada, e pronta para ser trilhada. Infelizmente, é também uma caminhada proibida - por conta de políticas míopes e regulamentos tacanhos. É atitude polêmica, sequer sugerir que se entre num Parque Nacional clandestinamente, que se desfrute do parque escondido, ignorando as regras, "burlando" a fiscalização. Mas está em jogo coisa mais importante do que o respeito cego a regulamentos. É a própria definição do que é (ou deveria ser) um Parque Nacional, que está em jogo. É a preservação de uma trilha cênica que dignifica qualquer Parque, que está em suas mãos ! Isto exige uma tomada de posição - sua, evidentemente. Passe a palavra ! E exerça seu direito de expressão, votando...com os pés.

Sergio Beck


Texto publicado na revista AVENTURAJÁ, número 4 (Junho/Julho 2003) e disponível no site:
http://www.nasnuvensmontanhismo.com.br/




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