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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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Boletim n°1 - Jul. 1998
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Difícil é Guiar o Paredão Branco

Texto de autoria de Ricardo Prado, transcrito na íntegra do Boletim do CERJ nº514 (dezembro de 1990).

Leo guiando o 5º esticão do Paredão Lagartão, maio de 1998No seu livro "Terra dos Homens", Saint-Exupery dedica um capítulo ao Avião, instrumento de seu trabalho. Falando de um companheiro seu ele diz:

"Não importa, Guillaumet, que seus dias e noites de trabalho se escoem em controlar manômetros, em se equilibrar sobre giroscópios, em auscultar os sopros de motores, em lidar com quinze toneladas de metal: os problemas que se propõem a você são, afinal de contas, problemas de homem, e você atinge sem esforço o mesmo nível de nobreza de um montanhês"

"O uso sábio de um instrumento não fez de você um técnico frio"


Da mesma maneira, os problemas que nos impõe a montanha são, antes de tudo, problemas humanos. Cordas, mosquetões, grampos e o desenvolvimento da técnica não passam de instrumentos de nosso fascínio. São os meios, mas quero aqui discutir os fins.

Qual a finalidade de irmos à montanha, de guiar uma escalada?

Bem, acima da superação de obstáculos técnicos está o congraçamento entre as pessoas, o companheirismo e o compartilhar dos momentos sublimes que a montanha proporciona. A amizade que se forja nas excursões, nas horas prazerosas assim como nas de dificuldade, leva a um enriquecimento existencial que poucas atividades humanas logram alcançar. Porém nos dias de hoje, cada vez mais a preocupação passa a ser a questão técnica, fazer escaladas cada vez mais difíceis. Deste modo cabe aqui uma discussão sobre qual é no momento, a escalada mais difícil de se guiar.

Quando alguém faz sua primeira escalada é geralmente em uma escalaminhada ou então em uma escalada "fácil", como o Paredão Branco, por exemplo. Tomando gosto pela coisa e a praticando com razoável periodicidade, mesmo não contando com nenhum talento inato, o iniciante pode chegar, num tempo relativamente curto, a fazer uma ascensão de 3º ou 4º grau. Porém a escala é exponencial. Passar para um 5º grau já exige uma dedicação maior, mas nada que um praticante amador, que escala apenas nos fins de semana, não possa conseguir. Alias é este (5º grau) o nível técnico mínimo exigido por um guia do CERJ para se graduar Guia Escalador.

Veja bem, um guia de centro excursionista, guiando apenas nos fins de semana, muitas vezes levando novatos em escaladas fáceis e sem ser excepcionalmente talentoso pode chegar perfeitamente ao 5º grau. Agora, desejando passar disso a coisa começa mudar de figura, vamos lá que se chegue ao 6º grau.

Hoje em dia já se fala em escaladas de 7º, 8º,9º graus. O que é nessessário para que se atinja este nível?

Bom, para começar eu imagino que seja nessessário uma exclusiva dedicação ao aperfeiçoamento técnico. Alguém munido desta dedicação pode perfeitamente, consumindo seu tempo em treinamentos constantes e realizando apenas escaladas do mais alto grau de dificuldade, atingir este nível. Porém, a que custo?

Para começar, o tempo que consomem tais treinamentos jamais permitiria ao escalador guiar excursões com pessoas novas, permitindo um acesso mais amplo e de mais pessoas, à montanha. Deste modo o que ocorre é uma elitização da prática do excursionismo. O acesso amplo a montanha ficará vedado pois, a se desenvolver o presente quadro no futuro só terão acesso à montanha os ricos, que podem pagar guias profissionais, e os superdotados, pois não haverá ninguém que inicie as pessoas novas na prática do montanhismo.

A conclusão é que a presente expansão da preocupação exclusiva com a técnica é incompatível com as preocupações fundamentais concernentes a um Centro Excursionista: a pratica coletiva e com segurança de uma atividade lúdica. Preocupar-se exclusivamente com a técnica é uma atitude egoísta, não há problema em que se faça individualmente esta opção, apenas ela não tem nada a ver com os Centros Excursionistas. Infelizmente cada vez mais pessoas fazem esta opção. É por tudo isso que digo que hoje em dia o mais difícil é encontrar quem tenha a preocupação de compartilhar suas experiências. Levar pessoas novas à montanha, através dos Clubes de Montanhismo, é uma atividade que não promove nem enriquece ninguém.

Guiar uma escalada extremamente difícil, com companheiros que estão tecnicamente num nível tão elevado quanto o seu, não apresenta, na verdade dificuldades outras que as técnicas. Porém, guiar uma escalada muito fácil, mas com pessoas novas, que estão travando o seu primeiro contato com a montanha, isso sim, apresenta verdadeiras dificuldades, não técnicas, mas humanas, psicológicas e de relacionamento. Ou seja, o mais difícil é guiar o Paredão Branco.


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