Boletim n°9 - Dez. 2004

Paredão Leonel Brizola

Com um sorriso nos lábios e um forte aperto de mãos o maragato Leonel Brizola recebeu a conquista de uma via de escalada no morro do Andaraí Maior, no Parque Nacional da Tijuca. Já passara dos 70 anos e o vigor da juventude ainda não havia ficado completamente para trás.

Embora nunca lhe houvesse passado pela cabeça a idéia de escalar uma montanha, a vida rural, a lida com os peões, a tradição dos centauros dos pampas garantia uma identificação com esse pessoal rústico, que é o povo da montanha.

“ – O de barba parece de fibra.”, pensou em algum momento. “ – E veja que fizeram a tal da conquista num 1° de maio.”

Ele, que recebera tantas homenagens na vida, ficou emocionado naquele instante. Depois, nos 11 anos que ainda teria de vida, só lembraria do
fato mais uma vez, numa roda em torno de um fogo de chão, com a cuia de chimarrão na mãos, naquela estância fria, bem na fronteira sul do Brasil. Depois esqueceria.

Mas a gente lembra dele. Naquele 19 de junho de 2004, quando estávamos nos preparando para escalar a via, o nome de Brizola veio à baila. Márcio Mega falou da admiração do pai: “ – Ele é brizolista”. Leo e Guilherme comentaram algo sobre ele ser uma personalidade nacional tão marcante. Eu contei as minhas lembranças da eleição de 1982: eu estava grávida e a cidade estava eufórica – a esperança de felicidade para o filho que ia nascer se misturava à esperança por tempos melhores para o Estado.

Uma trajetória marcante, a do velho gaúcho. Deputado estadual pela primeira vez aos 25 anos. Casou-se com a irmã de João Goulart e teve Getúlio Vargas como padrinho. Aos 33 anos foi prefeito de Porto Alegre e marcou sua gestão por enormes melhorias na educação e no transporte popular. Aos 36 anos era governador do Rio Grande do Sul. Votações esmagadoras, numa época que a mídia não tinha o poder de influência que tem hoje.

Papel particularmente importante e bravo cumpriu em agosto de 1961. A renúncia de Jânio Quadros levaria Jango ao poder – tudo que os militares não queriam. Do Palácio de Piratini, sede do governo, levantou o Sul na Campanha da Legalidade e foi o responsável pela continuidade democrática, garantindo a posse de João Goulart, que voltava de uma visita à China.

Cassado em 1964, retornou definitivamente do exílio em 1979, com a anistia. Da década de 80 para cá é mais fácil: mesmo os mais jovens lembram da sua atuação política.

Foi um homem coerente. Não se corrompeu com a política. Lutou pelas suas idéias de justiça até o final da vida. Amou o povo brasileiro e a idéia do socialismo moreno.

O Paredão Leonel Brizola é um espetáculo. A vista se descortina longe, indo do mar à montanha. Uma horizontal traiçoeira, um tanto de aderência, poucas agarras e umas formigas malvadas no final.

Era uma homenagem e a gente não sabia: Brizola viria a falecer dois dias depois, em 21 de junho de 2004, inesperadamente. Uma homenagem silenciosa, à nossa maneira, talvez impensada, mas tão carinhosa quanto muitas, que se reproduziram por incontáveis pedacinhos da terra brasileira. Longe dos poderosos e perto do coração.

P.S.: Um pouco de ficção, um pouco de realidade. Ele teria aprovado.

Celeste



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