Difícil é Guiar Muita Gente
Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1998
A iniciativa dos Guias da UNICERJ em organizar e guiar várias excursões para trinta alunos (completamente inexperientes, em geral) é admirável. Não creio que exista, atualmente, outro grupo de montanhistas disposto a promover atividades semelhantes, ainda mais sem interesses lucrativos.
Concluí, das seis excursões realizadas até agora (todas com sucesso!), que guiar um grupo grande de iniciantes é um problema complicadíssimo, não só do ponto de vista logístico, como do humano. A parte logística inclui, a cada excursão, verificar que cada participante possui todo material adequado, dividir os participantes por Guia, planejar os horários e pontos e parada, realizar as manobras durante as escaladas (isto pode ser particularmente complexo, considerando-se escaladas com seis cordadas de quatro pessoas cada), dentre outras tarefas necessárias, que eu, enquanto participante, nem sequer imagino.
As excursões se tornam um problema ainda mais desafiador quando lembramos que os alunos têm personalidades e graus de desenvoltura para a prática do montanhismo muito distintos. Durante as excursões, enquanto alguns alunos mais expeditos estão ansiosos para prosseguir adiante, outros alunos mais hesitantes (dentre os quais me incluo), constantemente solicitam o auxílio de um Guia. Marcar um ritmo e programar a ordem de saída das cordadas e dos participantes para tornar as excursões prazerosas e acessíveis a todos não é uma tarefa nada trivial. Freqüentemente os Guias são obrigados a lidar com casos extremos de alunos excessivamente confiantes, tomando iniciativas impróprias e/ou arriscadas, e de alunos tão amedrontados por determinados lances que acabam se sentindo incapazes de progredir. Lidar com estes casos é um desafio profundamente humano. O segundo caso, em particular, requer dos Guias muita sensibilidade.
Felizmente os Guias também têm personalidades distintas, e a atuação de cada um completa a dos demais, nestas situações. No mesmo grupo convivem em harmonia, por exemplo, os comportamentos quase antagônicos do Guia Tarcisio Rezende que é a própria personificação da serenidade e do Guia Osvaldo Pereira, "Santa Cruz" cuja vibração ("Sobe p.!") chega a ser confundida com uma certa impaciência. Os Guias também vêm demonstrando grande capacidade de adaptação quando necessário. Aproveitando o exemplo anterior, destaco a forma enérgica como o Tarcísio liderou a descida da Pedra do Sino, quando a chuva nos alcançou durante a travessia Petrópolis-Teresópolis, e a paciência e tato do Santa Cruz ao lidar com meus momentos de maior nervosismo. [Espero não estar cometendo uma injustiça muito grave por não citar a participação crucial de todos os outros Guias e de alguns alunos da Escola de Guias que vêm nos auxiliando.]
A enorme procura pelo Curso Básico (que inclusive excluiu várias pessoas interessadas, por falta de vagas) talvez se deva ao fato de que não existem outras alternativas para a iniciação ao montanhismo, exceto por meio de aulas particulares caríssimas. Se a iniciativa dos Guias da UNICERJ fosse mais comum, e existissem mais pessoas dispostas a transmitir a iniciantes os fundamentos do montanhismo por pura dedicação a esta atividade, haveria espaço para todos, sem necessidade de "sobrecarregar" um único grupo.
No parágrafo anterior usei a palavra "sobrecarregar" entre aspas porque, se uma quantidade grande de participantes inexperientes traz alguns problemas, há compensações: As excursões tornam-se mais ricas, há mais desafios a superar, mais pessoas com quem compartilhar experiências (e farnel), e a alegria em atingir as metas programadas torna-se mais intensa. As confraternizações em cada por de parada tornam-se verdadeiras festas.
Participar de excursões com muita gente é difícil. Deve ser ainda mais difícil guiá-las. Mas sem dúvida são muito divertidas...
José Koiller, aluno do Curso Básico
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