Busca
 
 

Fale conosco! fale conosco!

Calendário



« DESTAQUES »

Formatura do CBM/2023

NOTA DE REPÚDIO

Carta ao PARNASO

CURSOS

As Descidas Vertiginosas do Dedo de Deus (2a Edição)

Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade

Diretoria e Corpo de Guias

Equipamento individual básico

Recomendações aos Novos Sócios

2ª Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade



Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Você está em: BoletinsBoletim n°11 - Dez. 2006
Boletim n°11 - Dez. 2006
Lançada a Campanha da Sede Própria‹‹ anterior 
|
 próxima ››Livro de Cume

Editorial

"Todos são livres mas ninguém pode usar de sua liberdade de modo a reduzir a liberdade dos outros ou a criar riscos para a vida de outras pessoas."
Dalmo de Abreu Dallari
Jurista

O Montanhismo hoje, leia-se escaladas, descidas e caminhadas, está na pauta das atividades exercidas pelo homem que se pretende legislar. Ultimamente, a crescente demanda para a prática eventual dos chamados esportes radicais ou de aventuras, nestes incluído o Montanhismo, fez com que pessoas e empresas, enxergando oportunidades de trabalho, passassem a oferecer serviços de Guias. Com isso, o Montanhismo no Brasil que sempre fora praticado, principalmente, através dos Clubes concebidos para atuarem de forma amadora, despertou para o mercado da geração de emprego e renda. O Montanhismo então, visto como atividade profissional, é inserido no contexto sócio-trabalhista como turismo ecológico. Daí, políticos e gestores de áreas naturais, preocupados com o desenvolvimento desordenado dos operadores dessa modalidade de turismo, e também com o uso descontrolado dos Parques públicos, propuseram alguns projetos de lei e planos de manejo. Embora bem intencionadas, as propostas de lei, em síntese, tratavam da visitação das áreas dos Parques acompanhados exclusivamente por Guias de Turismo ou Condutores de Visitantes, e os planos de manejo não contemplavam a diversidade de estilos dos montanhistas amadores, além de impor restrições de acesso e uso baseados em teses que são contestáveis dos pontos de vista científico, jurídico e da tradição.

 No ano passado participamos do Seminário de Salinas e, neste mês de dezembro, da reunião da Câmara Técnica e Turismo de Montanha do Parque Nacional do Itatiaia. Em Salinas, o propósito foi a apresentação da sugestão para o plano de manejo do Parque Estadual dos Três Picos, onde foram delineadas regras de conquista para vias de escaladas e caminhadas. No calor da discussão, convergimos em muitas sugestões colocadas e apresentamos outras bem aceitas. Entretanto, neste Seminário ficou patente certo extremismo acerca de alguns conceitos de estilo de escalada, confundidos erroneamente com ética. Uma coisa é defender a prerrogativa do seu direito de praticar o Montanhismo da forma que lhe convém, e lutamos por isso. Outra, bem diferente, que não iremos aceitar, é tentar impor um modo único de praticar o Montanhismo em nome de um pretenso e falso consenso. Falso consenso porque as federações não representam todos os Clubes de Montanhismo existentes e, sobretudo, porque a grande maioria dos montanhistas não é filiada aos Clubes.

 O “estilo único” preconiza que as vias de escalada devam ser padronizadas. Sob o argumento de ser mais ecológica, o que não é verdade, seus apologistas defendem a disseminação peremptória do uso de equipamento móvel em fendas. Será que o uso do equipamento móvel nas fendas, que são depositórios naturais de vegetação, causa menos impacto que um grampo bem posicionado? Outro ponto, que causa perplexidade, são as propostas encaminhadas pelas entidades federativas de alguns Clubes, que ao invés de defender a profusão sócio-educativa e integradora entre as pessoas e o meio ambiente, criando alternativas viáveis e sustentáveis para a abertura irrestrita das áreas tangíveis dos Parques, apóiam e sugerem acesso reduzido, bem como regras contraditórias para se conquistar, principalmente, vias de escaladas e descidas. Será mesmo possível, como prevê a regulamentação apresentada por essas entidades, determinar, a priori, mesmo por estimativa, o número máximo de grampos da via? A duração da conquista em dias? Quais serão os participantes de todas as investidas? e, sobretudo, a rota a ser seguida e sua extensão? Só quem não conhece a alma dos Clubes de Montanhismo amadores e sua vida social, ou então aqueles que nas sombras das aparências se apresentam como eternas verdades poderiam sugerir tais regras.

 Na história clássica do Montanhismo brasileiro, a liberdade de estilos, consciente e responsável, sempre protagonizou as escaladas e conquistas. Esse espírito, nós da UNICERJ, procuramos manter vivo. Imagine se Silvio Mendes, escalador brilhante e expoente da sua geração, conquistador do Pico Maior de Friburgo, Salinas, em 1946, tivesse no seu calcanhar essas malfadadas regras, sendo obrigado a uma conduta absolutamente transversa do seu estilo, não podendo, por isso, gerir sua própria conquista com os métodos e artefatos da sua livre escolha, inclusive usando, como fez, recursos da própria natureza, tendo que cumprir prazos de conquista, hora para entrar e sair do Parque, número máximo de grampos e distância mínima entre eles, não poder subir a rocha pela rota que mais lhe atraísse. Provavelmente seríamos hoje uma geração sem história nem exemplos para admirar. A partir de meados dos anos 80, algumas pessoas intencionadas em tornar padrão um conceito de escalada, passam a condenar e estigmatizar os demais estilos sob os argumentos de retrógrados, antiecológicos e antiéticos, quase sempre injetados pelo ferrão satírico. Sob a bandeira dos conceitos “escalada limpa e mínimo impacto”, divulgam suas idéias como se fosse a panacéia universal, ameaçando aniquilar quem se manifestar contrário aos seus propósitos.

 Atualmente, em meio à névoa das secretas ingerências dos defensores do “estilo único”, constatamos nos textos das regras de manejo dos Parques, relacionadas às escaladas e excursões em geral, intenções altamente excludentes do ponto de vista humano, elitistas e sem as tradições dos Clubes de Montanhismo amadores, que por dezenas de anos construíram os pilares de respeito mútuo, solidário e participativo perante as direções dos Parques Nacionais.

 Estamos convencidos de que a adoção das regras, como estão propostas, para uso dos Parques da Serra dos Órgãos, da Serra do Cipó, Estadual dos Três Picos e agora o do Itatiaia, fragilizará os Clubes de Montanhismo e a sociedade em geral, devido às barreiras técnico-burocráticas e financeiras, transponíveis, obviamente, por uma reduzida elite privilegiada. A longo prazo, os Parques também têm muito a perder com a adoção de políticas cada vez mais restritivas à visitação. Sem um maior envolvimento e integração com a sociedade, a importância de tais Unidades de Conservação tende a ser menos reconhecida pela população e com isso os Parques acabarão tendo cada vez menos recursos e força para combater verdadeiras ameaças ilegais como explorações, caça, pecuária e desmatamento, estas sim atividades destruidoras com que deveríamos nos preocupar e combater.

 Se cruzarmos os braços pagaremos caro pelo cômodo conformismo. Segundo Aristóteles, Sólon havia redigido suas leis de forma propositadamente obscura, para que dessem lugar a muitas controvérsias e oferecessem assim ao Estado o meio de aumentar, com o julgamento destas, sua autoridade sobre os cidadãos.

 É lógico e compreensível que a visitação e uso das áreas públicas devam ser regulados por direitos, deveres e punição aos infratores. Todavia, aproveitando-se da boa fé das autoridades e servidores públicos, assim como da sua inexperiência no que diz respeito a escaladas, pretende-se aprovar leis que reprimem a liberdade e suprimem a pluralidade de estilos, ferroa grilhões nas mãos de todos os montanhistas, violenta as raízes dos Clubes de Montanhismo amadores e fere a democracia.

 Todo montanhista, exceto as cabeças coroadas e os aduladores servis de plantão, terá que se enquadrar num modelo pré-estabelecido, submetendo sua consciência moral ao crivo de julgadores empunhando a batuta do “estilo único” de se praticar o Montanhismo.

 Sempre afirmamos e reafirmamos que no Montanhismo deve prevalecer a pluralidade de estilos, assim como não somos opositores à profissionalização na atividade. Não adotamos a retórica como discurso das idéias em que acreditamos. Nossas ações, perpetradas por nossas conquistas e trabalhos voluntários, sistemáticos e representativos, junto às administrações dos Parques Nacionais, nos credenciam a lançar críticas construtivas quanto às normas propostas para escalar montanhas, tônica dos últimos fórunsde discussões que participamos. Como um biombo invisível, essas regras, das quais se creditam contornos de verdade, escondem o propósito de chancelar o “estilo único” sob o manto do conceito em voga denominado mínimo impacto.

 Que se tem notícia, é a primeira vez no Brasil que se pretende regular a atividade de se escalar montanhas. Não há, no ordenamento jurídico pátrio, leis, nem jurisprudência, que tratam especificamente do assunto. Entretanto, as conclusões definitivas da Promotora de Justiça e da Juíza de Direito que atuaram no processo da Chaminé Stop, Pão de Açúcar, RJ, narrado no editorial do nosso Boletim nº 9, oferecem uma visão promissora, do ponto de vista legal, a respeito da prática do montanhismo. Segue abaixo alguns trechos do relatório e da sentença prolatada em 08/09/2005.

 “...Ocorre que não é admissível, que praticantes de montanhismo, por conta de diversidade de opinião em relação ao modo como este deva ser praticado, coloque em risco a vida de seus semelhantes, retirando grampos de segurança.
 Estamos em um Estado Democrático de Direito e, portanto, a montanha é de todos, e cada qual tem o direito de praticar o montanhismo de forma como julgar que deve praticá-lo, sem ter que se submeter a risco de vida, imposto por quaisquer grupos.
 A CRFB (Constituição da República Federativa do Brasil), em seu art. 5º, garante os direitos fundamentais de todos e estes preceitos, em hipótese alguma, podem ser desconsiderados.
 Os direitos e deveres são iguais para todos...”


  “...Em que pese o pensamento propalado pelo réu sobre manter a originalidade dos grampos em respeito à ética no montanhismo, o fato é que não existe uma regulamentação desse tipo de esporte, permitindo, assim, uma liberdade de execução da escalada...”

“...A questão não reside em se definir quantos grampos devem permanecer fixados na rocha. Usa o grampo quem assim desejar. Porém, não poderia o réu retirá-los de modo a fazer prevalecer o seu princípio ético de montanhismo...”

“...Se o montanhismo é um esporte de liberdade, tal liberdade deve atentar para dois princípios básicos: proteger as montanhas e respeitar os outros que a freqüentam...”


 Sempre defendemos mais autonomia de recursos na gestão dos Parques Nacionais, para que possam melhorar as estruturas de preservação da natureza, e também monitorar, com mais eficácia, o acesso receptivo e uso das suas áreas.

 Nos países vizinhos, Argentina, Chile, Peru e Bolívia, o uso e a visitação dos seus Parques por centenas, milhares de pessoas, não são fatores degradantes da natureza. Com funcionários bem treinados e amistosos, acampamentos e abrigos estrategicamente localizados, bem conservados e servidos com pessoal de apoio e instalações adequadas, trilhas sinalizadas e conservadas, mapas das trilhas e das escaladas bem elaborados graficamente para todos os níveis de consulta, palestras e vídeos educativos ministrados de rotina nos centros de visitantes e museus, são exemplos incontesti de que os Parques, administrando seus recursos com criatividade e inteligência, têm papel significativo na sociedade, inspirando nos seus cidadãos civilidade e o respeito e zelo com o patrimônio público.


Lançada a Campanha da Sede Própria‹‹ anterior 
|
 próxima ››Livro de Cume

Versão para impressão: