Boletim n°12 - Dez. 2007

Domingo com Vinicius ou Do fundo do coração

Não pensem que o Vinicius do título é o poeta de “Medo de amar” ou de “Canto de Ossanha”. Não é não. O Vinicius em questão também não mora em Ipanema, mas sim em Duque de Caxias.

Eu ouvia a Jolie com atenção, bem em frente à Igreja da Glória, enquanto esperava Vinicius chegar. “– Os autistas vivem fechados em si mesmos, não conseguem se comunicar” – ela me dizia – “não olham nos olhos, não conversam, não tocam as pessoas, mas entendem tudo. Ele é um autista clássico”.

Até então, os autistas eram personagem de cinema ou assunto de algum artigo lido no jornal. Com a chegada da Hilda, e o filho, o autista ganhou concretude, na pessoa do rapaz de uns dezoito anos.

Carinhosamente, segurei-o pelos braços, falei meu nome e disse o quanto ele era bem-vindo e como seria agradável a caminhada. No carro, podia ouvi-lo atrás de mim, murmurando um mantra incessante, incompreensível.

Já chegávamos ao ponto de encontro em São Conrado para encontrar o resto do grupo. Muitas crianças e adolescentes. “– Vamos ao banheiro, Vinicius.”, a Jollie disse e saiu, levando-o pela mão. E aí aconteceu. Vinicius virou o rosto para trás e segurou o olhar por uns dois segundos nos meus olhos.

Foi um impacto, tão grande que eu olhei meio atônita para a Hilda. “– Ele me olhou!”. Pacientemente, ela explicou que Vinicius havia percebido o grupo que formamos no carro e tinha receio de quebrar aquele vínculo. “– Acho que ele gostou de você”.

A subida até o cume foi cheia de belezas e delicadezas. O reencontro com a Marcinha e a Viviany, depois de tanto tempo. As pessoas novas. As pessoas antigas. As crianças, se pendurando na árvore. As adolescentes, rindo e conversando conversas de adolescente. Um córrego, ruído de água descendo as pedras. Céu azul. Sol forte. Montanhas e mata. O mar.

Não sei quanto tempo ficamos no cume, mas foi um tempo bom. Os sanduíches da Jolie estavam deliciosos – acho que o Vinicius sentiu a mesma coisa. Encontrou uma posição confortável, encostado aos joelhos da mãe e não queria outra vida. As fotos de sempre. Willy, que não tinha câmera, puxou da mochila pincéis e tinta e foi fazendo uma aquarela olhando para os lados da Barra. Crianças por todos os lados, crianças que também queriam pintar aquarelas.

Convívio, comunhão, montanha. Vocês sabem o que é isso.

Com medo de atrasar a descida, saí com um pequeno grupo na frente. Mais de uma hora depois, estava eu no fim da trilha, decidida a refazer o caminho, preocupada com a demora. Não foi preciso. Primeiro, as vozes das crianças, depois as próprias chegavam. Os adultos, o resto do grupo. E o Vinicius, que, de novo, me olhou nos olhos por alguns segundos, talvez um pouco aflito dessa vez.

Agora era a vez da Jolie estar surpresa. “– Você não sabe o que aconteceu!”. Na hora de começar a descer, elas perceberam que ele estava muito agitado. Tentavam acalmá-lo, sem muito sucesso. Foi quando ele disse: “– Celeste, Celeste”.

Vinicius me deu um beijo de despedida. Vinicius gosta de livros. Vinicius gosta de música. Vinicius gosta de desenhar e como não consegue falar, essa é sua forma usual de expressão. Talvez hoje ele esteja desenhando sua experiência na montanha.

A Hilda disse que ia escrever na agenda dele: “Hoje, dia 3 de dezembro, o Vinicius foi à Pedra Bonita. Ele fez uma amiga”.

Pois eu estou fazendo a mesma coisa. Escrevo na minha agenda que dia 3 de dezembro fui à Pedra Bonita, e conheci um cara especial, o meu amigo Vinicius.

Celeste



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