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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Boletim n°12 - Dez. 2007
O Cerrado Brasileiro - Serra do Cipó‹‹ anterior 
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Incêndio na Pedra da Gávea

“A alegria de ver e entender
é o mais perfeito dom da natureza.”
Albert Einstein

Travessia dos Olhos, tradicional escalada horizontal situada na Pedra da Gávea, com belos visuais a cada lance, foi o camarote para uma cena lamentável em um dia quente de sol.

No dia 10/03/07, eu, Thiago e Elaine Terra bivacamos na mesa do imperador a fim de escalarmos a via pela manhã. Por volta de sete horas da manhã, ao descermos a carrasqueira, encontramos um facão em cima de uma das pedras. Passamos adiante, mas sem deixarmos de perguntar o porquê dele estar ali. A resposta sobreveio quando já estávamos no segundo esticão, no momento em que eu dava segurança para o Thiago, que finalizava a cordada e iria guiar o terceiro. Escutei alguns estalos, mas não via nada. Quando o avistei, perguntei o motivo de tal ruído. Ele, pálido e transtornado, respondeu que viu um grupo colocando fogo em um amontoado de vegetação. Tal grupo começou a descer a trilha e, quando pudemos vê-los, perguntei a eles o motivo de tal incêndio. Responderam que não sabiam e continuaram a descer às gargalhadas, com um deles dando facadas nas árvores que margeavam a trilha. Senti revolta e dúvida.

O que fazer? Thiago chegou a querer retornar para tentar apagar o fogo, contudo o som de mato queimando aumentava e a fumaça mostrava que não se tratava de um pequeno foco. Fazia quase um mês que não chovia na cidade do Rio de Janeiro. O clima estava muito seco, um calor insuportável, e assim o fogo se alimentava vorazmente em nossa direção. Tínhamos mais um problema: Thiago, que era o único que conhecia a via, não tinha condições psicológicas de guiar. Ligamos para o Corpo de Bombeiros para avisar sobre o incidente. Elaine manteve contato com eles durante a escalada. A princípio ligamos mais preocupados com o meio ambiente e com as pessoas que estavam no cume, mas logo percebemos que nossa situação também não era confortável. Assumi a cordada e pedi segurança à Elaine.

Felizmente eu estava calmo, apenas preocupado com o grupo. Elaine participava daquela escalada pela primeira vez, e Thiago não estava mais corado do que um palmito. O estranho foi que eu cheguei a curtir a via. A cada lance uma novidade. Se a exuberância da Travessia dos Olhos tira o fôlego de quem participa pela primeira vez, imagine de quem guia à vista e naquelas circunstâncias. Olhar para baixo e para adiante era emocionante, porém triste quando desviava o olhar para trás. Misturava-se um sentimento de prazer e ansiedade. Ansioso eu estava para puxá-los, já que reclamavam do calor do fogo.

Não poderia haver erros que causassem atrasos. Meu objetivo era levá-los com segurança até o olho direito e aguardar novo contato com os bombeiros. Estes, muito atarefados com os diversos focos de incêndio daquele dia (foram registrados 38), fizeram o possível para não demorar muito. Primeiro apareceu um helicóptero da Polícia Civil. Este foi o que mais se aproximou de nós. Comuniquei-me através de gestos com um dos tripulantes, afirmando que estávamos bem. Depois apareceu um helicóptero dos bombeiros e outro da imprensa. Os bombeiros avaliaram a situação e retornaram. A água para acalmar o fogo ainda iria demorar. Tínhamos que seguir adiante.

Sem mais problemas chegamos ao olho direito e pudemos descansar. Foi o momento que eu os senti mais relaxados. Thiago, já se sentindo bem melhor, começou a filmar o helicóptero dos bombeiros que finalmente chegara para arremessar água. Para mim eles relaxaram até demais, a ponto de quererem passar mais tempo ali, até que o fogo acabasse. Thiago curtia as filmagens e as fotos que fazia, e Elaine, que também tirava fotos, falava que as instruções dos bombeiros era para que aguardássemos eles apagarem o fogo. Comecei a refletir enquanto comia algo e observava o trabalho dos bombeiros. Parecia que estávamos em um camarote privilegiado para assistir àquele espetáculo de manobras aéreas e de desolação da mata atlântica. Observamos que o helicóptero não podia se aproximar muito da rocha e, por isso, os golpes d’água caiam um tanto afastados, não sendo suficientes para conter o fogo que tangenciava a pedra e ainda estava em nosso encalço. Levantei-me e pedi para que se preparassem para continuar, pois não estava a fim de aspirar fumaça. Além disso eu já previa que a água que dispúnhamos não seria suficiente frente tamanha secura e calor.

Após alguma relutância dos meus companheiros, fizemos a passagem pelo cabo de aço e chegamos à orelha, que estava muito suja pelo lixo deixado por visitantes inconseqüentes. De lá fizemos novo contato com os bombeiros, avisando que tínhamos continuado e estávamos bem. Tínhamos a idéia de descer pelo Pico dos Quatro, caso o caminho estivesse ruim; todavia os bombeiros disseram que estavam nos aguardando no início da descida da Carrasqueira e que dava para descer por lá.

Encontramos, no local combinado, os bombeiros que faziam o combate em terra com umas pás para abafar o fogo. Fomos acompanhados por um deles durante toda a descida, enquanto que o restante permaneceu para continuar o trabalho de controle das chamas. Ainda tivemos que desviar de alguns focos durante o percurso até a Praça da Bandeira. O som da mata queimando era desolador. Em contrapartida, os bombeiros foram muito atenciosos conosco. Contamos tudo a eles, inclusive o fato de o incêndio ter sido criminoso.

Finalmente, já cansados e desidratados, chegamos até a viatura dos bombeiros localizada no início da trilha. Tivemos o alento do ar condicionado com a água gelada que compramos no caminho do batalhão. Ouvimos também que a mídia não parava de ligar para o batalhão a procura de notícias nossas, além de querer obter nossos nomes. Elaine e Thiago logo pediram para que não os divulgasse. Eu cheguei a pensar em permitir, para que eu pudesse contar esta história, já temendo que a notícia do dia seguinte não fosse verídica. Imaginávamos as manchetes dos jornais do dia seguinte: “Escaladores são resgatados em incêndio na Pedra da Gávea”. Isso já era previsível e até brincávamos quanto a isso. O triste foi ler, no O Globo de domingo, que o incêndio, com certeza, foi causado por uma queda de balão. Realmente era uma explicação fácil e conveniente de se engolir. Ainda cheguei a enviar um e-mail à seção de cartas dos leitores do jornal, mas não obtive resposta e nem a mesma foi publicada.

Enfim, agradeço o trabalho de todos que se preocuparam e fizeram o que estava ao alcance. Levo a lembrança de uma escalada encantadora e mais um aprendizado na minha contínua formação como Guia e como ser humano.

Favre


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