Em janeiro de 2007, os eslovenos Marko Prezelj e Boris Lorencic receberam o prêmio “Piolet d’Or” (piqueta de ouro) por terem feito, em 2006, a primeira ascensão do pilar noroeste do Chomo Lhari (7.326 m de altitude), no Tibet.
Durante a cerimônia, em Grenoble, França, Prezelj tentou explicar a sua opinião sobre a competição no montanhismo, mas teve dificuldades. Posteriormente, escreveu uma carta, que transcrevemos* abaixo:
“Alguns me criticaram por participar da cerimônia do Piolet d’Or deste ano. Nenhum deles estava em Grenoble.
Participar desse circo me trouxe a oportunidade de apresentar minha opinião a respeito do prêmio. O tempo dirá se isso foi ou não um erro.
Não acredito nos prêmios para o alpinismo, muito menos em troféus ou títulos concedidos pelo público ou pela mídia. Na cerimônia pude ver e sentir o espírito competitivo criado e fomentado pelos organizadores do evento. A maioria dos escaladores rapidamente aceitaram este espírito sem entender que estavam sendo empurrados a uma arena onde os espectadores desenvolvem um drama e onde os ganhadores e perdedores são julgados.
Não é possível julgar a escalada de outra pessoa objetivamente: cada ascensão contém muitas histórias não contadas, influenciadas pelas expectativas e ilusões que se desenvolvem muito antes de pormos os pés na montanha. No alpinismo, inclusive o julgamento mais pessoal é extremamente subjetivo. Quando retornamos das montanhas, lembramos dos momentos de forma diferente de como aconteceram – naquele local e hora – no momento em que tivemos que tomar decisões sob a pressão de muitos fatores. Comparar diferentes escaladas não é possível sem algum tipo de envolvimento pessoal, e ainda assim é difícil. No ano passado escalei no Alasca, Patagônia e Tibet. Não pude decidir qual destas expedições foi a mais... A mais o quê?
Para explicar isso, durante a primeira parte da cerimônia, perguntei a um pai com vários filhos que decidisse qual era o melhor e qual o pior. Não soube como responder.
Posso escolher o vinho que tomo. A comida que como, os livros que leio ou os filmes que mais me agradam, em um determinado momento, mas um jurado não pode decidir para todos qual é a melhor ou pior ascensão em um ano. Se um jurado escolhe um só ganhador, automaticamente isto implica um perdedor: isto é a essência da competição. E o primeiro posto implica um segundo e um terceiro. É o terceriro posto realmente pior, ou simplesmente o ganhador se adaptou melhor ao jogo da manipulação? Exageraram na beleza de sua ascensão de uma forma mais eficaz, souberam vender seu produto melhor ao jurado?
A idéia de que os alpinistas se reunam é positiva sem dúvida, mas não posso apoiar a absurda idéia destes escaladores competindo no alpinismo. Na cerimônia do Piolet d’Or, me posicionei contra este tipo de competição. Disse que o troféu não é importante para mim, porque a eleição de um ganhador é subjetiva, como um concurso de beleza, e a influência comercial no evento é óbvia e definitiva. Meu pobre inglês fez com que não ficasse tão claro o que queria dizer.
Mas a história do Piolet d’Or deixa claro que comparar escaladas (e os protagonistas das mesmas, com seus ideais) é algo sem sentido, quanto mais fazendo isto dentro de um prazo de um ano. Se a comparação é impossível, que fazem os representantes da mídia e os patrocinadores apresentando e promovendo este evento, e por quê? Para aumentar as vendas? Por fama?
Na Eslovênia, para nomear a fama usamos um nome de mulher: Slava. Os mais velhos costumam dizer: “Slava je kurba” (a fama é uma vadia), um dia dorme com um, e no dia seguinte com outro. A fama é uma armadilha criada pela mídia para explorar os complacentes, se dando conta demasiadamente tarde de que a verdade e a honra não vivem na mesma casa que a notoriedade. Ao público não importa realmente os escaladores, que são meras ligações em uma incestuosa cadeia que é alimentada pela mídia para promover ou criticar de acordo com seus interesses. Os organizadores do Piolet d’Or sabem e contam com uma cruel verdade: sempre encontrarão gladiadores e palhaços desesperados para representar seu papel no circo da fama. A pergunta mais interessante é: é isto um "reality show"?
Se a idéia romântica do Piolet d’Or sobreviverá no futuro, deveria transformar-se em uma simples reunião de escaladores que troquem idéias e compartilhem suas ilusões, seus sonhos e realidades. Talvez até possam escalar juntos, sem ganhadores nem perdedores. Se isto não é possível, teria que pedir aos organizadores que deixem de tentar introduzir o espírito competitivo no alpinismo e que comecem a respeitar os alpinistas, suas diferenças humanas e suas idéias criativas que fazem do alpinismo uma experiência complicada e enriquecedora.
Peço desculpas se ofendi alguém que seja apegado a “senhorita Fama”. E finalmente, se os alpinistas são balas, e a mídia é um rifle, onde está o alvo?”
Marko Prezelj
Kamnik, Eslovênia, fevereiro de 2007
*publicada em 22/02/2007 no portal Webventure (http://www.zone.com.br/paraquedismo/index.php?destino_comum=noticia_mostra&id_noticias=19060),
em 26/02/2007 no portal Alpinist (http://www.alpinist.com/doc/ALP18/newswire-prezelj-rejects-piolet-d%27or#),
em 27/02/2007 no portal Barrabes (http://www.barrabes.com/revista/articulo_ant.asp?idArticulo=5144)
e em 1/03/2007 no portal AltaMontanha (http://altamontanha.com/news/9/news/news_item.asp?NewsID=142)