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Boletim n°16 - Abr. 2012
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Editorial

Cerro Torre e o Dedo de Deus

Em 15 de janeiro de 2012, dois jovens, um canadense e um estadunidense, escalaram o Cerro Torre, na Patagônia Argentina, atingindo o cume pela famosa Via do Compressor, conquistada em 1971 por Cesare Maestri, Ezio Alimonta e Carlo Claus, tida como a via normal daquela montanha.

Durante a descida, arrancaram aproximadamente 120 grampos da via, o que segundo seus próprios relatos foi decidido no cume, uma vez que eles “não precisaram desses artifícios” para completar a escalada. Esse episódio foi noticiado internacionalmente como um marco e comemorado por muitos como tendo sido uma prova da evolução técnica atual.

Essa atitude pode ser considerada resultado de uma enorme polêmica que se arrasta há décadas. Neste sentido, recomendamos a leitura do Boletim nº 3 da Unicerj, de agosto de 1999, onde publicamos a matéria “Cerro Torre – 40 Anos de Controvérsias nos Andes Patagônicos”.

Do ponto de vista de estilo, não se pode comparar métodos utilizados em 1971, com o uso de um compressor de 180 kg para bater cerca de 350 grampos em 54 dias na montanha, com os de hoje em dia. Os materiais modernos permitiram um aprimoramento da técnica, porém, não existe qualquer demérito dos montanhistas do passado, que merecem todo o nosso respeito e admiração pelos feitos alcançados.

Por mais incrível que pareça, apesar da representatividade da conquista do Dedo de Deus para o montanhismo brasileiro, feito cujo centenário estamos celebrando agora em 2012, aparentemente esquecemos de dar o devido valor ao feito humano, valorizando apenas o resultado. Consequentemente, alguns se sentem à vontade para julgar e até condenar o “estilo” dos conquistadores. Interessante lembrar que o Dedo de Deus foi considerado como “inescalável” pelos estrangeiros que aqui estiveram antes de 1912, em diversas tentativas sem sucesso.

Como nos sentiríamos hoje se dois escaladores estrangeiros, ou mesmo brasileiros, fossem à Via Teixeira do Dedo de Deus e, ao conseguirem subir sem o uso dos grampos, resolvessem arrancá-los? Como reagiríamos a essa notícia? É bem possível que alguns até aplaudissem. Se por um lado é viável subir a Via Teixeira sem os grampos, para nós é indiferente se alguém consegue ou não escalar a montanha utilizando todos, parte ou nenhum deles. Isso não dá o direito de impor aos demais que o faça da mesma forma.

Aqueles que defendem o pretenso “estilo limpo” tentam trazer um viés técnico-ecológico mas, na verdade, estão disfarçando a exacerbação da vaidade dos que se consideram superiores por conseguirem subir de outra maneira a mesma via. No entanto, para eles, apenas subir de outra maneira não satisfaz, é necessário arrancar os grampos. Guardadas as devidas proporções, foi isso que ocorreu no Cerro Torre. Comemorar esse feito é como celebrar a ignorância e a alienação.

O agravante dessa situação é que aconteceu com o conquistador ainda vivo, que sequer foi consultado, o que mostra grande incoerência, já que os mesmos que agora exaltam a “modernização” da escalada da Via do Compressor também defendem o “direito autoral” como princípio fundamental. Este é um precedente assustador.

Infelizmente, aqui no Brasil não estamos livres de situações estapafúrdias como essa. Em 2002, argumentos inverídicos afirmando que a Chaminé Stop foi conquistada com apenas dois ou três grampos foram utilizados para tentar justificar a remoção de vários deles. Posteriormente, ficou comprovado por documentos da época que a Chaminé Stop foi conquistada com um grande número de grampos e trechos de cabos de aço.

Do mesmo modo, o Paredão Mateus Arnaud, conquistado em 1998, foi vandalizado pouco tempo após a sua conquista, por estar cruzando outras vias de escalada na mesma face do Pico Maior de Friburgo. Porém, o que verdadeiramente motivou essa ação excludente foi o fato da escalada ser bem protegida, apesar de toda a dificuldade técnica, contrastando com outras vias extremamente perigosas e até mesmo mais fáceis naquela parede. Ou seja, o “estilo” do conquistador, de fazer uma escalada segura, não foi respeitado, tendo sido ignorado o tão apregoado “direito autoral”.

Nós da Unicerj, ao longo de vários anos, empregamos o melhor de nossos esforços na manutenção de vias clássicas. Alguns exemplos são a Via Teixeira do Dedo de Deus, a Via Sylvio Mendes no Pico Maior de Friburgo, a Travessia dos Olhos da Pedra da Gávea e, no Pão de Açúcar, o Paredão Íbis (até o 3º platô) e o Paredão CEPI. Acreditamos que essas e outras escaladas, até pela importância histórica, merecem esse empenho na sua conservação.

Não sabemos qual será o desfecho da Via de Maestri, mas asseguramos que caso algo semelhante tivesse acontecido na Via Teixeira, todos os grampos já teriam sido rebatidos.

Igualmente, em situações semelhantes, não nos omitiremos.


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