Boletim n°16 - Abr. 2012

Um Pico Maior de Friburgo Inesperado

“Já pensou se fôssemos para Salinas hoje e
escalássemos o Pico Maior amanhã? Hein, hein?”

O restante do meu sábado e meu domingo seriam completamente diferentes se não tivesse recebido uma proposta tão “indecente” como essa do Leo. Afinal de contas, estava numa festinha de criança em plena tarde de um sábado ensolarado e a programação para o restante do dia era brincar com as crianças e alugar um bom filme para ver à noite com a Mônica. No domingo, nada de muito diferente, com exceção de uma ida à piscina de dia e ao circo à noite. Enfim, um programa caseiro…

Mas a proposta do Leo ficou na minha cabeça durante a festa. “Seria legal poder voltar lá depois de oito anos…”. Mas só a complexidade da coisa bastava para (tentar) me fazer cair na real. Sair do Rio rumo a Friburgo, à noite, encarando umas três horas de viagem, mais uma de caminhada até o acampamento onde estariam nossos amigos – tratava-se de uma excursão da ETGE/2011, onde a UNICERJ pretendia escalar as grandes montanhas dos Três Picos de Salinas – dormir numa barraca, acordar às quatro da madrugada e passar o dia inteiro na montanha.

Confesso que, se por um lado a montanha me atraía, por outro essa complexidade fazia me refletir. Mas o Leo estava resoluto. Ele estava escalado, desde o início do ano, quando o Clube programou a 2ª fase da ETGE, para ser o Guia principal da escalada que tentaria chegar ao cume do Pico Maior. Só que a mesma caía justamente no dia da festa de aniversário do filho. Não dava. Cancelou sua ida, fazendo com que o Bonolo mudasse os planos iniciais. A ETGE então tentaria todos os principais cumes de Salinas, menos o Pico Maior.

“Mas por que não ir para Salinas depois da festa?”, deve ter pensado o Leo. Ele queria ir, só faltava uma companhia. Até que apareci na festa e ele me fez a tal “proposta indecente”. Após uma “artimanha” para convencer nossas esposas (“Bia, a Mônica liberou o Cela para ir comigo”, antes desta dar o ok verdadeiro…), combinamos tudo. E assim, às 17:30h o Leo me buscou em casa e rumamos para Salinas.

Após duas horas e meia de viagem, estacionamos o carro em Salinas, partindo para a caminhada até o acampamento base, no Mascarin. É dali que saem praticamente todas as excursões que são realizadas em Salinas pela Unicerj. Após uma caminhada de 40 minutos escutamos as vozes dos nossos companheiros que jantavam no acampamento, que mal acreditavam no que viam: dois seres saindo da escuridão, animados para escalarem no dia seguinte! Após a confraternização, conversamos com um estupefato Bonolo, cuja cabeça fervia por causa da mudança radical nos planos já traçados para o domingo. Cheguei a brincar com ele que, caso a nossa inesperada chegada fosse um estorvo, que ele nos ignorasse e fizesse o que estava programado, enquanto eu e o Leo iríamos escalar o Pico Maior sozinhos. Ele, fazendo um gesto conhecido com os dedos, rindo, disse: “Aqui ó! Também quero ir com vocês!”

E assim, domingo, dia 07/08/2011, às 04h30, levantamos de nossas barracas. Era o início de uma jornada que levaria o dia inteiro. Além do Leo, do Bonolo e de mim, iriam também o Favre e o André Ribeiro, aluno da ETGE. Para esses dois últimos, seria a primeira vez nesta montanha. Outros 10 companheiros - Bira, Osiris, Roberto, Willy, André Favero, Andrea Rosado, Carla Marinho, Elis, Fernando e Sean McIntyre - fizeram a Caixa de Fósforos e confraternizaram conosco quando chegamos. Eles acompanharam a nossa subida de longe e por algumas vezes pudemos nos comunicar com eles.

Saímos do acampamento às 05h e após uma caminhada de aproximadamente uma hora, enquanto o sol nascia no horizonte, chegávamos à base da via. Quase chegando à base, o Favre escorregou e bateu o joelho em uma pedra. Deixamos o Favre se recuperar com calma e avaliar a situação. Com receio de colocar os pés no chão ele foi gradativamente apoiando o peso e caminhando até que na base da via nos disse que dava para arriscar a subida.

Sem perder muito tempo (condição básica para tentar chegar ao cume), começamos logo a escalada, mas o desempenho inicial não foi nada bom… O Leo, que ia sempre na frente por causa da sua qualidade técnica e profundo conhecimento da escalada (depois de várias idas lá na época da recuperação da via), nos chamou a atenção dizendo que, naquele ritmo, não conseguiríamos nem tentar chegar ao cume. Talvez por ainda estarmos frios ou um pouco enrolados com o material que subiria e o que ficaria (seja na base ou ao longo da via), ou talvez pela demora nos procedimentos de subida (seja escalando ou jumareando¹) ou, o que é mais provável, por causa disso tudo somado.

Mas após essa “sacudida” do Leo, conseguimos concentrar na escalada e subir todos quase no mesmo ritmo, inclusive o André, surpreendendo a todos. Após algumas horas de escalada, às 10:30h entrávamos na última sequência de lances, que muitos chamam "Chaminé da Fome", mas que na verdade, se chama "Chaminé da Esperança". Faltava pouco, e ali tive a certeza de que atingiríamos o cume.

E assim foi. Antes do meio-dia Leo chegou ao cume, me trazendo em seguida e por último o André. Depois foi a vez da segunda cordada, com Favre e Bonolo chegando poucos minutos depois.

Alegria geral!
Muitos e efusivos cumprimentos! Fotos e mais fotos! Sorrisos estampados nos rostos de cada um! A vista do cume era fantástica! Avistávamos desde as montanhas do Rio às do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a oeste, até as montanhas do Parque Estadual do Desengano e as próximas da Região dos Lagos, a leste. Além, claro, de todas as montanhas do Parque Estadual dos Três Picos, ao nosso redor.

E a sensação de paz, indescritível…

A Unicerj, após quase sete anos, atingia novamente o cume do Pico Maior de Friburgo. A última vez havia sido em uma excursão no dia 25/09/2004 com o próprio Leo, juntamente com Santa Cruz e Rodrigo. Eu e Bonolo voltávamos lá também, 8 anos após uma excursão pela ETGE/2003 em que nós, juntamente com o Porto, éramos os alunos guiados pelo Borges e o Godinho.

Após um merecido farnel e um tempinho de descanso, iniciamos os procedimentos de descida por volta das 13:30h (nossa hora limite). Não importava onde estivéssemos, a partir dessa hora desceríamos, sem choro nem vela. E duas horas e meia e 14 rapéis depois, retornávamos à base da via novamente. Cansados fisicamente, mas com a mente límpida, tranquila, em paz…
Chegamos de volta ao acampamento às 17h, com nossos companheiros que haviam ido à Caixa de Fósforos nos recebendo calorosamente. Arrumamos as tralhas de acampamento e partimos de lá por volta das 18h, chegando meia-noite novamente em casa.

Enfim, um domingo realmente BEM diferente do planejado. Inesperado. Memorável. Inesquecível. Como são os grandes momentos da vida…
Cela

1 “Jumareando” é um termo que vem de um equipamento chamado jumar, que auxilia na ascensão de um escalador em uma corda previamente fixada.
2 A Verdadeira Foto do Cume é aquela que é tirada na base da montanha, após todos os montanhistas terem ido ao cume e voltado à base sãos e salvos “Claudio Lucero - Líder da Expedição Chilena ao K2”.



UNICERJ - União de Caminhantes e Escaladores Rio de Janeiro - http://www.unicerj.org.br