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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

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Boletim n°7 - Out. 2002
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A Escola de Guias, a Agulha do Diabo e a Liberdade

Em outubro de 2000, quando foram abertas as inscrições para a Escola de Guias de 2001, 11 sócios se apresentaram como potenciais interessados: Álvaro Marques, Carlos Luiz, Celina Santos, Eduardo Buarque, Eduardo Campos (Sal), Eduardo Silva, José Bernardo, Juliana Sayão, Leonardo Godinho, Marcelo Bonfim e Marco Targino. Havia seis candidatos a Guias Caminhantes e cinco candidatos a Guias Escaladores.

As vicissitudes da vida e as muitas atribulações da conturbada época em que vivemos, quando muitas vezes somos impedidos, temporariamente, de nos dedicar às atividades que realmente nos são atraentes e reverberam no nosso coração, levaram a que nove dos alunos desistissem do curso durante o ano de 2001, quando muitas caminhadas e escaladas foram realizadas exclusivamente pela Escola de Guias.

Desse modo, apenas Buarque e Godinho, já no fim de 2001, iniciaram o Estágio Supervisionado.

Foram justamente esses dois guias estagiários que, em 27 de abril de 2002, graduaram-se Guias Escaladores pela UNICERJ.

No Boletim Informativo Nº 6, de novembro de 2001 relatamos as primeiras onze excursões realizadas pela ETGE/2001. Antes de iniciar o estágio supervisionado, ainda seriam realizadas duas grandes excursões: a Via Sylvio Mendes e a Agulha do Diabo.

Agulha do Diabo e Diabinho - PNSOCoincidentemente, uma das mais marcantes excursões da primeira fase da ETGE/2001 foi a escalada da magistral Agulha do Diabo, uma das mais belas e impressionantes montanhas da Serra dos Órgãos.

Durante o ano de 2001, mais de uma vez já havíamos tentado realizar a Agulha do Diabo. Isso ocorreu em pleno inverno, no auge da temporada, quando as condições climáticas são mais apropriadas e, no entanto, nas duas ocasiões, choveu.

Paradoxalmente, foi justamente no último fim de semana de outubro, já na estação de chuvas, que conseguimos atingir os 2.050 metros e assinar o livro de cume, do outrora Penhasco Fantasma, hoje Agulha do Diabo.

Participaram dessa excursão, guiada por mim, os alunos remanescentes da ETGE/2001, Buarque e Godinho, que logo iniciariam a última etapa de toda a Escola de Guias: o Estágio Supervisionado.

Programamos essa 3ª tentativa para os dias 27 e 28 de outubro de 2001. No primeiro dia, caminhamos até o local de bivaque, muito próximo da nascente do rio Paquequer, no caminho das orquídeas.

Aproveitamos ainda esse dia para subir até o cume do São João, com sua vista magnífica para a Agulha do Diabo, com destaque para a assombrosa Chaminé da Unha.

Buarque e Godinho, que nunca tinham feito a Agulha do Diabo até então, ficaram impressionados com aquela vista realmente inacreditável. Lembro-me da primeira vez que estive lá. Também custei a crer que se podia escalar por aquela delgada chaminé, que se projeta com leveza quase mágica para o céu. Isso foi há muito tempo, na minha Escola de Guias, em junho de 1973, lá no CERJ. Já se passaram mais de 29 anos e guardo na memória, com carinho e saudade, a minha primeira escalada da Agulha do Diabo.

Voltando a outubro de 2001: após uma noite muito bem dormida, num lugar que mais parece tirado de um livro de fantasia, pela floresta e pelo riacho de águas cristalinas, despertamos motivados para o que desse e viesse, na Agulha do Diabo. O ser humano é movido, primordialmente, pela vontade.

A bem da verdade, é preciso registrar que pela ETGE/2001 já tínhamos realizado escaladas bem mais exigentes e pesadas, como o Pico Maior de Friburgo, duas vezes por sinal. Contudo, psicologicamente, é difícil encontrar uma montanha mais desafiadora que a Agulha do Diabo. É algo que transcende em muito a técnica. Talvez tenha a ver com o minúsculo cume envolvido por verticalidades realmente arrepiantes.

Só conseguimos chegar ao cume às 14:05 horas, mesmo saindo cedo do acampamento no Paquequer. Tínhamos plena consciência que precisaríamos caminhar à noite sob o peso de mochilas cargueiras e que só bem tarde é que chegaríamos às nossas casas. Mas aquela paisagem à nossa volta valia todos os esforços e todos os medos. Não demoramos muito naquele píncaro de sonhos, mas os poucos minutos valeram como autênticos fragmentos da eternidade. Ao menos para Buarque, Godinho e Santa Cruz que compartilharam aquele local tão privilegiado do universo, por breves instantes.

Mal refeitos de tanta beleza à nossa volta, com o sol na medida exata e um céu azul puríssimo, contrastando com o verde da mata, ouvimos sucessivos e jubilosos "yehoo!", que respondemos prontamente do mesmo modo. Eram nossos amigos da Travessia da Neblina que nos viram precisamente quando chegamos ao cume.

Quem já foi à Agulha do Diabo sabe que a volta para casa não é só descida. Quando se chega na base, após cinco rappels, a descida prossegue por um grotão sem fim. Aí começa um sobe e desce danado. Apesar das dificuldades, somos de opinião que se fosse de outra maneira não teria tanta graça. É bem verdade que se a caminhada e a escalada estivessem mais bem cuidadas seria melhor. Mas dá para fazer.

Como já estava previsto, chegamos ao Paquequer quando começava a escurecer mas tinha valido a pena: a Escola de Guias de 2001 fez a Agulha do Diabo.

* * *

Só em 27 de julho de 2002 pude voltar à Agulha do Diabo, numa excursão oficial da UNICERJ. Leo e eu programamos essa excursão tendo como objetivo levar vários alunos do Curso Básico que já tinham feito o Dedo de Deus e, desse modo, estavam preparados para escalar a Agulha do Diabo.

Qual não foi nossa surpresa ao constatar a ausência de inscrições na papeleta de excursão, que ficou imaculada na parede da sede. Chegamos a pensar em cancelar a excursão. Mas que diabos? Nossa vontade de ir lá era muito grande. Além disso, já tínhamos obtido a devida autorização da diretoria do PNSO para que pudéssemos ingressar mais cedo no Parque Nacional, com o objetivo de fazer a Agulha do Diabo no sábado e a Chaminé Ricardo Cassin no domingo. Fomos assim mesmo e cumprimos o que nos propusemos. Os que não puderam ir não sabem o que deixaram de viver. Vão ter que esperar que outra excursão como essa venha a ser programada. E como há tantas montanhas mais, tantas caminhadas, escaladas e conquistas... Nós simplesmente não sabemos quando podemos marcar e realizar outra Agulha do Diabo e Chaminé Ricardo Cassin.

De qualquer forma não deixa de ser preocupante a tendência cada vez mais opressiva dos tempos atuais que muitas vezes asfixia as pessoas num cotidiano enfadonho, até mesmo nos fins de semana, quando têm que trabalhar ou estudar. Será que os outros cinco dias da semana não são suficientes?

O autêntico montanhista sempre dá um jeito. Não se deixa aprisionar. É um ser humano livre por natureza, que escolhe os seus próprios caminhos e o seu destino.

Quando a UNICERJ foi fundada, em 1998, esse novo clube não se propôs a reinventar a roda. O montanhismo amador e não competitivo praticado com segurança, liberdade e companheirismo constitui um conjunto de idéias antigas e sábias. Me faz lembrar um texto de Almy Ulisséa escrito há mais de trinta anos. Coincidentemente, ele foi o catalisador do grupo que, em 1941, conquistou a Agulha do Diabo.

O que mais há a dizer? Que o nosso tempo, individual, o tempo que nos foi dado a viver é muito pequeno, ínfimo talvez. É precioso também. Não temos o direito de dilapidá-lo pois é matéria prima irrecuperável. A vida é para ser vivida em sua plenitude, com toda a sua grandeza e paixão.

Por tudo isso e muito mais, precisamos viver com dignidade, sendo leais a nós mesmos, aos que amamos e à sociedade. Sem abrir mão da liberdade que há em nossos corações.

Santa Cruz


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