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Boletim n°7 - Out. 2002
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Fernando de Noronha

Por causa da distância, a visita a Fernando de Noronha sempre foi adiada. Finalmente surgiu uma chance de aproveitar que a Sylvia tinha acabado de viajar para a Inglaterra para ver a Laiz e o Capra. Pensei: agora é a minha vez! Decidi ir lá também porque, de qualquer maneira, ela não pode pegar sol. Mais uma vez a aventura solitária do Willy foi uma investida em um Parque Nacional. Lembro-me muito bem do recado dela antes de embarcar: "Tenha juízo!".

O avião fez uma parada em Recife e seguiu para Natal. O meu pacote de viagem, conseguido pela amiga Sonia Reinstein, tornava obrigatório passar uma noite em Natal para pegar outro avião para Fernando de Noronha. Natal tem agora um aeroporto bonito, claro e funcional. Durante o translado para o hotel que fica na Praia dos Artistas, o guia de turismo tentava vender a opção de passeio de bugre nas dunas de Genipabu. Eu preferi jantar com a nossa estimada 'mãe dos floristas nacionais', Dona Ignêz. A peixada do restaurante "Da Comadre" é nota dez.

No dia seguinte, depois de uma hora de vôo, a 360km do litoral, bem no meio do Oceano Atlântico, cheguei à tão sonhada ilha. Totalmente diferente de como eu imaginei. A princípio pensei que era controlada pelos militares. O aeroporto é moderninho! Primeiro deve-se pagar uma taxa ao IBAMA de R$120,00 por sete dias de estadia. Parece que essa taxa aumenta sucessivamente com os dias de permanência, e o visto de estadia não pode passar mais de um certo número de dias. Os turistas são distribuídos em pousadas familiares. É o sistema mais social e democrático que já vi na minha experiência em Parques Nacionais. É feito por seqüência de rodízio, porém há como escolher algum de sua preferência: caso já conheça alguma pousada e tenha feito reserva. A atendente olha o monitor e fala assim: "- O Sr. Chen vai para a pousada Augusta", e ponto final. Hehehe, bem socialmente correto. Depois fico sabendo que a ilha agora tem 120 pousadas na própria casa dos nativos, e lá chegam 600 turistas por dia. A associação dos moradores é composta de filhos e netos dos antigos presos e militares que ocupavam a ilha. Agora lutam muito para impedir que as enormes redes de hotéis invadam a ilha para construir grandes empreendimentos. Com isso sofrem muita pressão econômica e política. A Sra. Augusta explicou-me que o pai dela trabalhava para os americanos na época da 2ª guerra mundial, e ela nasceu na ilha mesmo. Agora a ilha tem 3000 nativos, todos vivendo em função do turismo. Todos os produtos de consumo são importadas do continente, até mesmo um tomate ou uma banana. Meu quarto tinha ar-condicionado, frigo-bar, tv e chuveiro quente: tudo desnecessário. Preparei-me para um lugar mais selvagem, queria ir aonde não houvesse nada disso.

Desde 1503 a ilha tem histórias para contar: já teve forte, prisão, palácio, canhão, até que nos anos 50 começaram a chegar os hidro-aviões, daí o aeroporto, os militares e etc. Hoje faz parte do Estado de Pernambuco, mesmo sendo este mais longe do que o Rio Grande do Norte (560 Km), pois há muito interesse político e econômico. No primeiro dia de passeio fizemos o tal 'City Tour', conhecendo a Igreja da Padroeira N.S. dos Remédios e o vilarejo. O famoso Morro do Pico tem 321 metros de altura e é proibido subir de qualquer forma, pois no topo encontra-se o farol de aviação, onde há uns tempos atrás a torre andou sendo pichada. Portanto a aeronáutica fechou a via, mesmo tendo essa uma escada de ferro. O argumento deles é que 'está perigoso'... Antes de viajar consultei o Osvaldo, e a instrução dele era que eu tentasse conversar com as autoridades locais primeiro, para que eu pudesse ter acesso ao Pico. Eu pedi aos guias para me apresentarem, mas não houve retorno. Então fui eu mesmo à administração, mas a maioria deles estava viajando. No fim, resolvi fazer a investida sozinho. O Ronaldo, que aluga cavalos, me disse que quando criança subia o pico para passar o réveillon. Perguntei a ele onde era a entrada da trilha e fui! Realmente a mata está fechando a trilha, mas pouco depois de 20 minutos cheguei à base da escada de ferro. Subi alguns degraus para testar e de fato há degraus danificados, mas com um boudrier e duas solteiras de segurança mínima, deu para ir. Porém, naquela tarde, eu não quis continuar subindo, porque minha intenção era só chegar à base mesmo. Tirei fotos, como sempre, e voltei. Fiquei sabendo depois que a multa de desrespeito à regra é de seis mil reais! Houve uma moça que quebrou o protocolo pulando do barco para ir nadar junto aos golfinhos e foi multada. Mas parece que há uns anos atrás podia. A ilha ainda é pequena e o pico fica ao lado do aeroporto, de forma que de todos os lados pode-se ver, caso haja alguém subindo a escada.

No segundo dia, fizemos um passeio de bugre para conhecer os pontos turísticos da ilha. Você sabia que a ilha tem uma BR de 7 km? E até mesmo um ponto de blitz com policiais rodoviários e seus cones vermelhos! Entre meus companheiros, no bugre, havia uma paulista chamada Regiane, pessoa fantástica. Ela é personal trainer, e esta era a 2ª vez que visitava a ilha para comemorar seu aniversário de 30 anos. Como era difícil para ela pronunciar "Chen", ela me chamava de "Zen", o que para mim não tinha problema. Na descida para visitarmos a praia do Sancho (a mais bonita do Brasil), criou-se uma fila, e eu aproveitei a oportunidade para ir fazer xixi no mato. De repente ouvi um grito: "Zeeeen!!". Ela achou que eu tinha me perdido em algum lugar e depois me pediu desculpas. Disse a ela que na hora levei um susto e tive que guardar a última gota para depois. A turma ria muito. Começava assim a formar-se o nosso grupo de viajantes solitários bem divertido, e passamos a viajar juntos nos próximos dias. Isso porque ela começou a chamar quem quer que estivesse sozinho para juntar-se a nós. Fiquei sabendo depois que ela é do signo de rato no horóscopo chinês e leão no ocidental. Hehehe, imagine como ela é atrativa por natureza. Viramos excelentes amigos, porque eu também sou rato e leão, e estes são os bichos que convivem bem socialmente. Com toda nossa aprendizagem em excursões, sabemos que o bom companheiro é peça fundamental para um passeio agradável.

Os preços na ilha são todos mais altos: o ônibus custa 2 reais, o refrigerante também. Cada passeio custa no mínimo 35 ou 40 reais. Realmente, é preciso estar preparado para gastar, pois todos os passeios são imperdíveis, incluindo o mergulho. Eu tenho medo de nadar no mar, mas ao ver aquela água cristalina com clareza de até 50 metros de profundidade, hehehe, criei coragem e gastei 180 reais para fazer meu batismo de mergulho na Ilha Rata. Oh! Não há nada que se compare na escalada. É MARAVILHOOOOSO! Nunca vi tantos peixes lindos, bem como polvo, moréia, arraia, tartaruga, golfinhos... e muito mais. O maior espetáculo da ilha está embaixo d'água, por isso a prática de apneia é fundamental. Eu levei o pé-de-pato e os óculos velhos de mergulho do Leandro de quando ele era pequeno, mas não funcionou bem, pois entrava água no nariz e eu bebia água o tempo todo. O aluguel do equipamento custa 5 reais, e vale a pena. Tirei fotos do fundo do mar, mais ou menos a 15m, e cada foto era 15 reais. Encomendei também o vídeo da filmagem por 60 reais. Sei que eu estava gastando tudo que podia e que não podia, só lembrando daquela poesia do escritor argentino Jorge Luis Borges: se tivesse que viver outra vez a vida, andaria sem guarda-chuva, atravessaria mais rios descalço, ou coisas assim. Quando mostrei as fotos para mamãe, de 80 anos, a velha levou um susto tão grande... Na sua mente, o filho de 54 anos de idade ainda faz travessuras.

Todas as noites na sede do Ibama tem palestras com assuntos muito disputados. Isso porque são interessantes mesmo. Falam sobre projetos como o Tamar (de proteção às tartarugas marinhas) ou de golfinhos, sendo cada noite um tema diferente. Os palestrantes são de diversas áreas, acadêmicos de alto nível. As palestras começam às 21:00 e terminam às 22:00 e junta jovens estudiosos e pesquisadores que podem observar. Este é outro ponto positivo que vejo que nenhum outro Parque Nacional tem feito: saber aproveitar uma sala de audiência tão bem. Ao lado da sede estão os boxes, onde pode-se encontrar informações sobre trilhas de excursões ecológicas e fazer reservas. Custa em média de 25 a 35 reais. Para nós, que somos caminhantes, é logicamente imperdível. No último dia fiz a excursão do Capim Açu, e quase perdi o avião de volta, mas fechei com chave-de-ouro, e tive aquela sensação de "Wild World".

Antes de ir embora, fiquei sabendo que quem iria trocar o refletor da torre do Morro do Pico era o guia Francisco Flor Júnior. Ele me disse que já naquela semana chegariam as lâmpadas especiais da aeronáutica e que eu poderia subir com ele a torre, hahaha, deixa para a próxima. Mas para os colegas que têm interesse de ir lá no futuro, eu tenho o nome e endereço dele e também tenho o nome completo do administrador e o telefone para quem quiser fazer a restauração da escada de ferro. O Sr. Artur é o presidente dos guias, e é um da meia-dúzia de pessoas tipo 'Chico Mendes' na ilha, que defende o meio-ambiente e briga com os poderes dominantes: já tem 3 processos em andamento e já recebeu até ameaça de morte. Ele é pessimista em termos de preservação e falou conosco que com essa velocidade de expansão turística, daqui a 5 anos essas maravilhas que estamos vendo hoje vão se extinguir. É triste, mas é a realidade... O que podemos fazer?

Acima de tudo, o que mais me tocou nessa investida a Fernando de Noronha foram as pessoas que conheci. O Cláudio Silveira que é do Rio, falou que o nosso grupo era dos "desgarrados". Ele tem 47 anos, é da área financeira, alto e gordo. Pegamos ele à noite no meio da escuridão, sozinho olhando para o céu. Regiane e eu perguntamos o que ele estava olhando, e ele falou que gostava de velejar e precisava conhecer as estrelas... Assim içamos mais um para o grupo. Diana Hernandes é de Houston, Texas, e tem sangue mexicano. Felipe Cretella é de Lorena, SP, tem 25 anos, e é designer como o Borjão. Pedro Jales é de Natal, tem 48 anos e é da área de informática. Sharon Thomas é de Nova York, tem 29 anos, e cuida de crianças deficientes. André Migliari é do Leblon, Rio e tem 28 anos. Valéria Valente é de Niterói, RJ, empresária. Rafael trabalha no MasterCard, Adriana na Sadia e Adriane na Varig. ...Gente bonita e sensível, com uma característica em comum: esses solitários são todos trabalhadores em excesso, que há 5 ou 6 anos não tiravam férias, ou não aguentavam mais o cotidiano, a ponto de explodir... Eu era o mais ocioso, considerado pelo grupo o mais equilibrado, sempre dando show de palhaçadas, de signos chineses, e a tal leitura da mão, hehehehe! Como a gente se divertiu, brincando como se já nos conhecêssemos há anos...

Que país maravilhoso é esse Brasil! Não há fronteiras para quem está disposto a amar seus semelhantes, e o exemplo vivo aprendi com essa leonina, Regiane - uma criatura que consegue incendiar tantas almas entristecidas.

Willy Chen - agosto/2002


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