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Boletim n°7 - Out. 2002
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Carta do Chefe Seathl

Carta do cacique da tribo Duwamish, do estado de Washington, ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1855, em resposta à proposta de aquisição do território da tribo.

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de tua parte, pois sabemos que não necessitas da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe em Washington pode confiar no que o chefe Seathl diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, não empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Não somos donos da pureza do ar nem do resplendor da água. Como podes então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições, na consciência do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a exaurir, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai, sem remorso de consciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece as sepulturas dos antepassados e o direito dos filhos. Sua ganância empobrecerá a terra e deixará atrás de si os desertos. A vista de suas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é para mim uma afronta aos ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite? Um índio prefere o suave susurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho. Porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar: animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo ele é insensível ao ar fétido.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonadas pelo homem branco que os abatiam a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante que um bisão que nós, os índios, matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto fere a terra fere também aos filhos da terra.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam seu corpo com os alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mas algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos de um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, e o homem branco talvez descobrirá um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao homem branco e ao homem vermelho. A terra é amada por ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu criador. O homem branco vai desaparecer, talvez mais depressa que as outras raças. Continua poluindo a tua própria cama e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem a gente, e quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha e à caça. O fim da vida é o começo da luta para sobreviver.

Talvez compreendêssemos se soubéssemos com que sonha o homem branco, que esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, que visões do futuro oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós a amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E com toda a tua força, o teu poder, e o teu coração, conserva-a para teus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.


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