Editorial
Estamos às vésperas de um novo milênio com todas as suas promessas de aniquilamento e renovação. É o cansaço do mundo, dos seus signos patéticos, obscuros e caóticos que toda a técnica, toda a ciência, toda a filosofia e toda a política nada puderam. Poderíamos discutir isto para sempre bêbados e cismarentos no fundo de algum boteco, para finalmente descobrir que só existe saída nos nossos delírios românticos e na nossa capacidade de recriar o mundo à imagem e semelhança de nossa loucura, de nossos desejos e de nossas emoções. Somos montanhistas sim, mas não somos cidadãos alienados e sem compromisso de mudanças desta realidade de lógica ao mesmo tempo cruel e injusta. Temos dentro de cada um de nós projetos e sonhos pessoais e coletivos de transformação do mundo que se manifestam de muitas maneiras. Temos compromisso com o futuro e para isto temos que refazer o presente.
Mas neste momento, neste boletim, a nossa matéria é feita da ternura áspera das montanhas, dos caminhos enigmáticos das florestas, do desconforto do saco de dormir encharcado das tempestades de verão, do sol inclemente e, sobretudo, da amizade e companheirismo que brilham nas gotas de nossos cantis, gotas que compartilhamos uma a uma com uma generosidade de quem conhece os desertos do egoísmo e da vaidade. Por isso é melhor falar de nossa nova sede, que surge com este ano novo, que mal começa e já se mostra tão gasto, tão igual e tão pior. Mas para os nossos velhos corações de montanhistas amadores, a sede da UNICERJ se traduz em novas esperanças e novas possibilidades que só tem medida na nossa dedicação e amor aos nossos ideais.
É um prazer indizível ter um lugar onde possamos nos reunir e tecer o fio de nossas idéias e reafirmar o nosso compromisso com o montanhismo amador, solidário, ecológico e não competitivo. É um prazer sentar com os velhos amigos de cordada e contar mil vezes as mesmas histórias e dividi-las generosamente, como um presente secreto, às vezes indecifrável, aos novos amigos que vão chegando plenos de entusiasmo. Mas este nosso clube não é formado apenas de paredes, móveis, prateleiras, murais e arquivos. Esta nossa sala modesta no meio do caos urbano do Largo do Machado é tão somente uma das expressões, em átomos e moléculas, tijolos e paredes, de tantas idéias, de tanto trabalho, de tantas conquistas e tantas porradas. É a materialização de uma trajetória de luta que atravessa décadas, que sucumbe, dá uma cambalhota, mas não morre nunca, pela defesa de uma forma de montanhismo que acreditamos. O nosso clube não é somente nossa sala, ele é, acima de tudo, o fio tênue de nossas idéias que nos envolve a todos. Nosso clube é a nossa cordada que está costurada na amizade, no companheirismo, na humildade perante a montanha, na forma desprendida e fraterna com que nossos Guias transmitem a sua arte sutil, na alegria de compartilhar os segredos, as saliências e reentrâncias das montanhas e, sobretudo, no respeito à natureza e ao ser humano, sua criação mais preciosa.
União de Caminhantes e Escaladores Rio de Janeiro
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