Brasília, 1 de abril de 2062

O Parque Nacional da Serra dos Órgãos estima receber esse ano mais de 130.000 visitantes durante as festividades que comemoram os 150 anos da conquista do Dedo de Deus.
“Graças ao patrocínio que conseguimos com a Ambev, já estamos aumentando a capacidade dos nossos servidores para recebermos todos esses visitantes em nosso site da internet.”, disse em entrevista exclusiva para nosso jornal, o diretor da PARNASO S.A., no seu escritório de Nova Iorque.
“Com esse patrocínio foi possível fazer melhorias significativas na trilha Petrópolis-Teresópolis que os internautas já podem percorrer hoje usando o sistema Google-Trails®. A trilha virtual mostra agora como era o caminho há cinquenta anos, antes da construção dos Condomínios “Luse Changcheng” e “Gu Tiantang” que hoje ocupam boa parte da antiga área do Parque.
Nossos repórteres fizeram uma prévia dessa Travessia virtual e se encantaram com o caminho. A grande novidade, além de ver como os antigos caminhavam, é que agora com o patrocínio da Ambev o sistema passa a permitir a escolha de um Guia para acompanhar o aventureiro virtual ao longo do caminho. Você pode escolher a Guia Loura da Antártica ou o Guia Moreno da Skol. “Com essas companhias, o caminho acaba ficando em segundo plano!”, confessa um de nossos repórteres.
Para as comemorações da célebre conquista de 1912, a Mountain Sports Federation está organizando junto com a PARNASO S.A. um campeonato de escalada na plataforma PlayStation XXI. Este game hoje é distribuído no programa de parceria público privada “Leisure for Me” do governo federal com a Sony, o que garante com preços acessíveis a participação de todas as classes sociais nessa competição.
“Estamos excitadíssimos com o telecampeonato virtual. Iremos receber os melhores escaladores do mundo num evento online que será transmitido pela Globo e que será ambientado nas antigas montanhas da Serra dos Órgãos. A final será, é claro, nas paredes do Dedo de Deus”, disse o presidente da federação. Está sendo estudada ainda a possibilidade de se realizar uma escalada real ao Dedo de Deus. Esta e outras montanhas do Parque estão proibidas há mais de 30 anos, pois a região sofreu muito com a degradação causada pelo homem.
“Nos últimos 50 anos perdemos cerca de 90% da cobertura florestal original. Não podemos nos dar ao luxo de aumentar essa degradação, causada em grande parte por anos de frequência descontrolada de montanhistas no Parque. Não é uma situação boa, mas a natureza agradece esse sacrifício.”, acrescentou o diretor do Parque. Para se realizar a escalada hoje, seria necessário fechar uma das doze pistas de alta velocidade que dão acesso à cidade de Teresópolis e a diversos centros comerciais localizados aos pés do Dedo de Deus, mas a concessionária que administra essa via informou ser praticamente impossível fechar uma dessas pistas para permitir o acesso à trilha.
“Nunca vi palhaçada maior. Esse Parque tinha é que ter vergonha de me propor uma coisa ridícula dessas.”, disse a presidiária Alice Porto (50 anos), quando perguntada sobre a possibilidade de levar um grupo de pessoas novamente a esse cume durante as comemorações.
Alice foi uma das últimas escaladoras a galgar o Dedo de Deus após a proibição, o que lhe rendeu uma pena de 10 anos sem direito a fiança. Ela possivelmente é uma das únicas pessoas a ainda conhecer o caminho para o cume. “Vivemos em um país democrático e felizmente todos têm direito a opinião, mesmo que nem todos aceitem as decisões que tomamos para o bem da sociedade.”, respondeu sensatamente o diretor do Parque para o nosso jornal.

Buarque

Esse texto foi originalmente escrito em uma mensagem enviada aos sócios da Unicerj no ano de 2012. Naquele ano comemorávamos o nascimento da filha da Anitha e do Porto e também o centenário da conquista do Dedo de Deus. Para reeditá-lo agora nesse Boletim foram necessários alguns ajustes, pois textos futuristas costumam criticar as situações presentes e alguns rumos parecem ter mudado nesses últimos quatro anos. Quando coloquei uma Alice presidiária, fiquei preocupado com o constrangimento que isso poderia causar. Espero que fique claro que essa passagem foi imaginada na situação descrita pelo pensador e caminhante Henry Thoreau (1817-1862): “Em um governo que aprisiona qualquer um injustamente, o verdadeiro lugar para as pessoas justas é a prisão”.