2ª Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade
Rio de Janeiro, 6 de janeiro de 1998
"Uma minoria é indefesa quando se conforma à maioria;
não chega nem a ser uma minoria numa situação dessas;
mas ela é irresistível quando intervém com todo o seu peso."*
Em nossa primeira carta aberta, divulgada dia 13.11.97, começamos dizendo que "...temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez", e terminamos afirmando que estamos quebrando este silêncio para nos posicionarmos diante de questões que têm sido conduzidas de forma parcial e autoritária.
O nosso grupo de montanhistas amadores, solidários, ecológicos e não competitivos não vê o montanhismo como esporte; seria mais adequado chamá-lo de esporte diferente, pois dispensa a competição.
Procuramos conquistar vias de escalada que sejam bonitas, interessantes e seguras. Nem sempre são bonitas para todos os montanhistas, pois a beleza está nos olhos de quem vê. Quanto ao fato de que outros se interessem por elas, nos traz satisfação voltar às nossas conquistas e verificar que as mesmas estão sendo muito frequentadas.
Contudo, o fator mais importante para nós é a segurança. O Montanhismo para nós não é apenas uma atividade de superação.
Poderíamos deixar as escaladas que conquistamos apenas com os grampos utilizados na primeira ascensão. Seria mais fácil anunciar nossa primazia e deixar para lá, mas não o fazemos: voltamos para regrampear quantas vezes for necessário, a fim de que um maior número de pessoas possa frequentar com segurança e prazer as novas vias.
Durante décadas, quando os Clubes e Centros Excursionistas eram vigorosos, assim atuavam os conquistadores: Primeiro conquistavam a via em seu próprio estilo; depois substituíam os grampos de conquista, mais leves e precários, por novos e definitivos grampos de escalada, aumentando a segurança. Só então a via era anunciada e inaugurada, na maioria das vezes numa excursão de confraternização envolvendo sócios de mais de um Clube. Procuramos resgatar este espírito em nossa atuação na recuperação de vias clássicas. Neste contexto, respeitar os conquistadores não significa necessariamente manter os grampos nos locais que estavam originalmente, mas garantir o acesso do maior número de pessoas à via.
Existem vários exemplos deste desprendimento por parte dos conquistadores, dotados por sua vez de extraordinária habilidade e arrojo. A Via Sylvio Mendes do Pico Maior de Friburgo, concluída em 1946, foi conquistada com recursos de proteção muito inferiores aos que foram posteriormente instalados. Ao invés de simplesmente usar o equipamento minimamente necessário à ascensão, houve a preocupação de, com enorme esforço, instalar cerca de 150 metros de cabos de aço que permitiram o acesso continuado de quantos excursionistas se dispusessem à realizar esta extraordinária escalada.
Como outros exemplos ainda mais veementes, temos o Nariz do Frade da década de 30, cuja chaminé, tecnicamente desafiadora, era escalada inteiramente por uma escada, da qual hoje só restam vestígios. Na Agulha do Itacolomy de 1948, os conquistadores, após vencerem um negativo extremamente desafiador, tiveram a preocupação de instalar um sistema de roldanas e catracas para guindar pessoas até o cume.
Uma rápida reflexão mostra também que muitas outras escaladas consideradas clássicas, já perderam todas ou quase todas das suas características originais. O Paredão IV Centenário, conquistado em 1965, possuía um cabo de aço em toda a sua extensão; posteriormente este cabo foi substituído por grampos apenas. Outros exemplos de escaladas que tiveram trechos com cabo de aço trocados por grampos são: o Costão do Pão de Açucar, as Chaminés Stop e Gallotti, o Paredão Secundo, o Paredão K2, a Agulha do Diabo,dentre outras.
Isto demonstra o processo dinâmico de transformação destas vias sem que fosse observada a quantidade ou localização dos artefatos de segurança. Desse modo, temos nos dedicado à recuperação de vias clássicas, algumas delas em estado de abandono pela omissão dos que tinham a obrigação de mantê-las. Tal abandono nos autoriza a realizar o trabalho de recuperação com a consciência tranquila por não estarmos ferindo quaisquer direitos.
No entanto, este trabalho está sendo ameaçado por um tecnicismo exacerbado, que usa como desculpa o direito autoral. Assim, grampos têm sido sistematicamente retirados, tornando, em alguns casos, temerária a prática do montanhismo. Aqueles que estão colocando o direito autoral acima do direito à vida devem ter em sua consciência a responsabilidade de seus atos e o risco que estão impondo aos demais.
Não nos julgamos minoria. A boa receptividade de nossa primeira carta aberta, mostra que temos pontos em comum com muitos outros montanhistas. Contudo, mesmo que fôssemos minoria, não poderíamos nos calar diante de tantas barbaridades.
Signatários:
Aleksandra Krijevitch, 43 anos, professora,
montanhista e sócia do CERJ desde 73.
Christian Costa, 27 anos, comerciário, montanhista e sócio do
CERJ desde 87 e guia desde 90.
Filipe Alvarenga, 32 anos, bancário, montanhista e sócio do CERJ
desde 83, guia desde 87 e sócio do CEB desde 83.
Gustavo Mello, 32 anos, astrônomo (D.Sc.), montanhista desde 87, sócio
do CERJ desde 88 e guia desde 90.
José Zaib, 40 anos, psicólogo, professor e empresário
do setor educacional, montanhista e sócio do CERJ desde 73 e guia desde 75.
Juliano Lindner, 25 anos, militar, montanhista desde 95.
Leonardo Perrone, 20 anos, estudante universitário, montanhista desde
92, sócio do CERJ e do CEB desde 97.
Lucia Ladeira, 43 anos, física, montanhista e sócia do CERJ
desde 73 e guia desde 88.
Luís Sayão, 44 anos, físico e doutor em ciência da informação,
montanhista e sócio do CERJ desde 76 e guia desde 84. |
Marcio Carvalho, 19 anos, estudante
universitário, montanhista desde 92, sócio do CERJ e do CEB desde 97.
Marcos Eboli, 23 anos, analista de suporte, montanhista desde 92 e sócio
do CERJ desde 97.
Marco Terra, 32 anos, astrônomo (D.Sc.), montanhista desde 93.
Osvaldo Pereira (Santa Cruz), 45 anos, engenheiro (M.Sc.), montanhista desde
68, sócio do CERJ desde 72 e guia desde 73.
Ricardo Borges, 26 anos, programador visual, montanhista e sócio do
CERJ desde 88 e guia desde 90.
Ricardo Prado, 27 anos, biólogo, montanhista e sócio do CERJ
desde 88, guia desde 90 e sócio do CEB desde 97.
Rita Montezuma, 33 anos, bióloga (M.Sc.), montanhista e sócia
do CERJ desde 92.
Tarcisio Rezende, 42 anos, corretor, montanhista e sócio do
CERJ desde 87 e guia desde 89.
Willy Chen, 49 anos, comerciante, montanhista e sócio do CERJ desde 81
e guia desde 84. |
* Henry Thoreau, Desobediência Civil, 1848
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