Editorial
"Nossos parques ficaram muito tempo fechados para o visitante, mas abertos para caçadores, palmiteiros e madeireiros. O bom uso é melhor do que o não uso." (Ministro do Meio Ambiente, em discurso durante a solenidade de comemoração dos 70 anos do PNSO – 30/11/2009)
A frase acima reflete as mesmas idéias defendidas há muito por uma corrente de montanhistas, na qual nos incluímos. Esses conceitos rebatem argumentos, a nosso ver verbalizados supostamente como defesa do meio ambiente, que são usados sistematicamente como justificativa para restringir o acesso de visitantes aos Parques Nacionais em todo o Brasil.
O Parque Nacional do Itatiaia (PNI), localizado entre as duas maiores cidades do país, é um dos exemplos desta política restritiva hoje adotada pelos seus gerenciadores.
Fundado em 1937, o PNI foi o primeiro parque nacional criado no Brasil. Porém, os registros das primeiras ascensões no Maciço do Itatiaia datam do fim do século XIX, sendo considerado por muitos o berço do montanhismo no Brasil. As administrações de outrora, imbuídas em preservar o meio ambiente e conscientes do papel fundamental da sociedade neste processo de conhecer e perpetuar os bens naturais da humanidade, lançaram inúmeras iniciativas com este propósito, como a construção de abrigos e acampamentos para os visitantes, além de um eficiente sistema integrado de trilhas dentro do parque.
Atualmente foram adotadas algumas restrições no PNI, copiadas em outros parques, que inviabilizam a prática integradora e responsável do montanhismo em grande parte do Maciço do Itatiaia. As clássicas travessias Rebouças-Mauá e a longitudinal das Agulhas Negras, dentre outras, ficam inexequíveis com horário de permanência dentro do Parque entre as 7h e 17h, acesso e trânsito de veículos extremamente limitado e proibição dos pernoites.
O Abrigo Rebouças, nos áureos tempos, foi base para grandes excursões e confraternizações. Hoje existe uma geração de montanhistas órfãos do PNI, que pouco conhecem as belezas e atrativos dessa magnífica região. Todas essas restrições combinadas, considerando ainda que a estrada de acesso nunca esteve em piores condições, e que recentemente foram fechadas opções de acampamento e pousada no entorno do PNI, gerarão, fatalmente, conflitos de natureza legal pela impossibilidade de conciliar a racionalidade do bom montanhismo com as exigências em vigor.
Mas esse cenário de limitação à visitação não é uma exclusividade do PNI, tendo sido usado como modelo por outros parques próximos. Algumas das restrições acabam forçando o desgaste físico de excursionistas e a caminhada noturna. Caminhar à noite ou com chuva são desafios frequentemente enfrentados no montanhismo, mas procura-se evitar essas situações, agora impingidas por novas regras estabelecidas pelas administrações desses parques.
Aliado a tudo isso, o fator financeiro contribui sobremaneira para a elitização da atividade e limitação da visitação por excursionistas. A Portaria nº 366 do Ministério do Meio Ambiente, publicada em 2009, aumenta os ingressos nos Parques Nacionais em geral. Como exemplo, uma travessia de três dias no PNSO pode chegar a R$ 55,00 por pessoa. Isso sem contar transporte, alimentação, equipamento e outros custos, totalizando um valor inviável para a grande maioria da população brasileira, e incompatível com a idéia de ampliar a visitação às nossas unidades de conservação.
Mas todas essas regras só penalizam os montanhistas e demais visitantes forçados a cumpri-las. Ou seja, os ilegais acessam os parques pelas vias ditas irregulares, usufruindo um bem público sem pagar ingresso e pernoitando quando e onde bem entenderem.
É importante reconhecer que alguns avanços aconteceram recentemente, como a reabertura das travessias da Serra Negra e Ruy Braga, no PNI, inclusive com a reativação de uma área de acampamento próximo ao antigo Abrigo Massena. Outro exemplo é a melhoria nas condições da trilha do Açu, no PNSO em Petrópolis, graças a um enorme trabalho dos voluntários em mutirões organizados por iniciativas isoladas de uns poucos funcionários. A trilha para a Pedra do Sino, após as duas excursões ecológicas promovidas pela Unicerj com o apoio da administração do PNSO, está hoje mais limpa, com melhor drenagem e desníveis mais suaves. O Parque também tem feito uma boa manutenção na trilha para o Dedo de Deus, inclusive com construção de degraus. O Programa de Voluntariado no Parque Nacional da Tijuca, do qual a Unicerj participa de forma representativa desde sua primeira edição em 2003, é um exemplo para todas as unidades de conservação no Brasil.
Ainda assim, é muito pouco perto do que representam esses três Parques, notadamente para os montanhistas, que sempre tiveram uma relação muito íntima com esses espaços ao longo de várias décadas, criando e mantendo as trilhas e vias de escalada e descida.
Um leitor desavisado pode achar erroneamente que todas essas restrições são inevitáveis e necessárias para o bom uso do Parque. No entanto, é interessante observar a organização dos nossos vizinhos latino-americanos que oferecem mapas elaborados com esmero, trilhas sinalizadas, ingressos gratuitos ou com preços acessíveis, opções de acampamento e abrigos que podem ser reservados com meses de antecedência, contando com serviços de alto nível. O surpreendente é descobrir que países como Peru, Equador, Bolívia e Argentina, que são tão ou mais pobres que o Brasil, conseguem manter essa estrutura. Certamente temos muito a aprender com eles. Por aqui, falta vontade política para dar a esses locais o reconhecimento turístico que merecem. Isto é, se nós, que conhecemos profundamente as trilhas ao longo de décadas de montanhismo, temos dificuldade de orientação em alguns trechos devido à falta de sinalização, imaginamos a situação dos turistas que pretendem frequentá-las.
Apesar de tanto se discursar sobre ecologia, nunca foi tão difícil acessar áreas naturais quanto hoje. O conceito de preservação não deve implicar na exclusão de pessoas. Os parques e áreas naturais são patrimônio da população e esta não pode ser privada do direito de conhecer esses espaços.
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