Busca
 
 

Fale conosco! fale conosco!

Calendário



« DESTAQUES »

Formatura do CBM/2023

NOTA DE REPÚDIO

Carta ao PARNASO

CURSOS

As Descidas Vertiginosas do Dedo de Deus (2a Edição)

Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade

Diretoria e Corpo de Guias

Equipamento individual básico

Recomendações aos Novos Sócios

2ª Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade



Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Você está em: BoletinsBoletim n°6 - Nov. 2001
Boletim n°6 - Nov. 2001
A UNICERJ e a Escola de Guias‹‹ anterior 
|
 próxima ››Conquistas Representativas Realizadas com a Participação de Sócios da UNICERJ

Montanhismo e Diabetes

Começa a excursão.

Montanha na frente, mochila nas costas e "toca pra cima" até o paredão.

Chegamos na base da escalada e durante a preparação aproveito para checar a glicemia. Como o nível de açúcar no sangue está meio alto, tomo uma dose de insulina para normalizá-lo. Explico, para os que ainda não sabem e me olham com olhos arregalados, que sou diabético e respondo às perguntas que geralmente são feitas em seguida.

O diabetes mellitus - ou simplesmente diabetes - é uma enfermidade que atinge cerca de 10 milhões de brasileiros, caracterizada, quando não controlada, por uma alta concentração do açúcar no sangue (glicemia).

Existem dois tipos de diabetes: o diabetes tipo 1 (ou insulino-dependente) e o diabetes tipo 2 (ou não-insulino-dependente).

No diabetes tipo 1, que atinge cerca de 10% dos portadores de diabetes, o aumento na glicemia ocorre devido a uma deficiência na produção de insulina, hormônio essencial para que o organismo consiga metabolizar a glicose.

A glicose é um açúcar existente nos alimentos e é utilizada como fonte de energia pelas células. As células, porém, dependem de um sinal externo para que possam consumir a glicose disponível no sangue. Este sinal é dado pela insulina produzida pelo pâncreas que funciona como uma chave, abrindo "portas" que permitem a entrada da glicose nas células.

Normalmente, a insulina é produzida e liberada pelo pâncreas em pequenas quantidades durante todo o dia, com maiores quantidades sendo liberadas logo após as refeições, quando o açúcar proveniente da digestão dos alimentos entra na corrente sangüínea. Na ausência de insulina dois problemas ocorrem:

1. As células (e o corpo) passam fome por não conseguirem consumir a glicose presente no sangue;

2. Como a glicose não é consumida, ela se acumula no sangue, sendo parcialmente eliminada pela urina. Além disso, como o corpo não consegue utilizar a glicose, ele passa a usar as gorduras do tecido adiposo o que, com o tempo, leva a um problema grave chamado cetoacidose. Os casos mais graves de cetoacidose podem ocasionar até a morte do indivíduo.

A maior parte dos diabéticos (90%) apresenta o diabetes do tipo 2. Este tipo de diabetes costuma aparecer em indivíduos com mais de 40 anos, estando usualmente associado à obesidade e casos anteriores de diabéticos na família (hereditariedade). No diabetes tipo 2 o pâncreas ainda produz insulina mas, por algum motivo, as células não respondem bem a este hormônio. Se a insulina é comparada a uma chave que abre as células para a entrada da glicose, o que ocorre neste caso não é uma falta de chaves, como no tipo 1, e sim alguma carência ou defeito nas "fechaduras" das células, o que reduz a eficiência da insulina.

Alguns dos sintomas característicos do diabetes não controlado são os seguintes (hipocondríacos, pulem esta parte!):

* Alta concentração de glicose no sangue (hiperglicemia).

* Poliúria - o excesso de glicose no sangue é eliminado através da urina. Como é necessário um maior volume de água para carregar esta glicose este efeito leva a um aumento na freqüência de vezes que a pessoa sente necessidade de urinar.

* Desidratação e sede - conseqüência da grande perda de água pela urina.

* Perda de peso - provocada pela desidratação e pelo consumo de outras fontes de energia do corpo, como proteínas e gorduras.

* Fome - apesar de sobrar açúcar no sangue, o corpo não consegue aproveitá-lo e manda sinais avisando que deve ser alimentado.

* Indisposição.

Estes sintomas variam de intensidade conforme o tipo de diabetes e o indivíduo. O diabetes do tipo 2, por ser menos drástico que o tipo 1, acaba sendo mais perigoso. Ele se manifesta de forma mais sutil e silenciosa, enquanto que o tipo 1 grita bem alto, sendo diagnosticado logo no seu início. É alarmante constatar que aproximadamente metade dos 10 milhões de diabéticos no Brasil nem sabe que possui a doença. Estas pessoas acabam descobrindo que são diabéticas bem mais tarde, geralmente já no hospital, internadas em função de alguma complicação de vários anos de diabetes mal controlado (cegueira, problemas nos rins, gangrena, e por aí vai...).

Após tomar a insulina, me encordo e dou uma namorada rápida na via de escalada. Se ela é tranqüila, tento sair guiando, se não, me faço de bobo, olho para os lados, e espero algum outro ir na frente (geralmente esta estratégia funciona). Antes de começar a subir, deixo no bolso umas bananadas para comer no meio da escalada em caso de hipoglicemia.

O objetivo do controle do diabetes é a manutenção da glicemia dentro de valores normais (entre 60 e 110 mg/ml), evitando hiperglicemias e hipoglicemias. O controle do diabetes deve ser baseado em quatro elementos: 1) uso de algum medicamento, 2) dieta, 3) exercício e 4) monitoração da glicemia.

No diabetes tipo 1 é indispensável o uso de insulina, pois o organismo não produz este hormônio. O que o diabético do tipo 1 procura fazer é mimetizar a ação de um pâncreas normal: liberar pequenas quantidades de insulina ao longo do dia e maiores quantidades antes das refeições, mantendo a glicemia dentro dos valores normais. Para tanto é necessária a monitoração freqüente da glicemia. Hoje em dia (felizmente) isto é possível com o uso de tiras reagentes que, com um minuto e uma gota de sangue, fornecem o valor da sua glicemia. Este valor influencia na ação que o diabético irá tomar: quantidade de insulina a ser aplicada, comer alguma coisa para elevar a glicemia, esperar para fazer uma refeição mais tarde, parar e descansar, etc. Para baixar a glicemia, o diabético tipo 2 costuma utilizar outros medicamentos, chamados hipoglicemiantes orais.

Depois de alguns esticões chegamos ao famoso platô da árvore onde podemos parar para descansar e comer. Volto a verificar a glicemia e, enquanto não sai o resultado do teste, aceito tudo que me oferecerem. O que não dá para comer vou guardando para depois (dependendo de quem estiver escalando com você, esperar um minuto pode significar a privação dos melhores petiscos). Se tiver sobrado alguma bananada no bolso, ofereço para os últimos que chegam. A fome e o cansaço geralmente são tão grandes que ninguém repara no estado lastimável das embalagens e conteúdos.

Por último, tomo mais insulina, fazendo um cálculo mental rápido em função do quanto comi e quanta insulina já tomei até agora. O bom de fazer isto por último é que a visão de um diabético com uma seringa na mão costuma acalmar (um pouco) os angustiados que estão desesperados para seguir adiante.

O exercício físico tem um papel muito importante no tratamento do diabetes, contribuindo para redução da glicemia, e diminuindo a necessidade de insulina ou outro medicamento utilizado. Com o exercício físico a insulina (injetada ou produzida pelo pâncreas) tem sua ação potencializada, aumentando sua capacidade de baixar a glicemia. Por isso, durante uma atividade física mais intensa é importante consumir algum tipo de carboidrato para contrabalançar a ação da insulina e garantir o bom funcionamento do organismo.

A dieta atualmente recomendada para o diabético é, na verdade, uma dieta que seria indicada para qualquer indivíduo. Não existe mais o estigma do açúcar, que deixou de ser tabu na dieta de um diabético controlado. O seu uso é permitido em pequena proporção, desde que seja respeitado um limite de calorias na dieta. É importante ajustar a alimentação com a ação da insulina levando-se em conta o nível de atividade física que está sendo realizada e a glicemia atual.

Mais um cume! Comemorações, cumprimentos, fotos, água e lanche. Mais uma checada rápida na glicemia e um resultado baixo me permite comer um pouco mais sem necessidade de uma dose adicional de insulina. Hora de armar o rappel.

Como foi dito anteriormente, para controlar a sua glicemia o diabético do tipo 1 deve tentar imitar a ação do pâncreas, ajustando freqüentemente a quantidade de insulina liberada no sangue conforme a necessidade do organismo.

Para determinar a quantidade de insulina a ser aplicada, muitas variáveis devem ser consideradas: glicemia, última aplicação de insulina, atividade física já realizada e futura, alimento que foi ou será ingerido, e até o estado emocional (o estresse tende a aumentar a glicemia). Dá para imaginar que é muito difícil acertar em cheio na quantidade de insulina a ser tomada. Por isso, é geralmente necessário fazer ajustes finos ao longo do dia, em função dos resultados dos testes de glicemia, para corrigir uma dose maior ou menor de insulina tomada anteriormente.

Na caminhada de descida começo a sentir uma falta de firmeza nas pernas, além de um cansaço maior que o normal. Provavelmente eu tomei mais insulina do que seria necessário, ou comi menos do que eu precisava em função da atividade física realizada. O que estou sentindo deve ser sintoma de uma hipoglicemia. Na dúvida, nem vale a pena verificar a glicose no sangue: pego algum doce na mochila e vou comendo pelo caminho. Se eu não estiver hipoglicêmico, o pior que pode acontecer é uma hiperglicemia que poderá ser corrigida mais tarde. Após alguns minutos percebo que o corpo volta a funcionar normalmente, confirmando a suspeita da hipoglicemia.

Quando se toma menos insulina do que o necessário, a glicemia sobe, sendo geralmente necessária uma dose extra de insulina para normalizar glicemia. Se, ao contrário, é aplicada insulina demais, a glicemia irá baixar muito provocando a chamada hipoglicemia.

Durante uma hipoglicemia, o corpo, sem glicose disponível, não consegue trabalhar normalmente, causando dificuldade no raciocínio e cansaço anormal. Este estado é potencialmente perigoso, pois, dependendo da severidade e da duração, a hipoglicemia pode levar à perda de consciência do indivíduo.

Os seguintes sintomas podem aparecer em função de uma hipoglicemia:

* Fome intensa;
* Tonteira;
* Cansaço;
* Tremores;
* Taquicardia;
* Dificuldade de concentração e raciocínio;
* Alteração no humor (como euforia ou depressão);
* Sonolência;
* Suor em excesso.

Como o consumo exagerado de álcool também provoca hipoglicemia, os sintomas observados durante uma bebedeira são em parte decorrentes da baixa concentração de açúcar no sangue. Um indivíduo sóbrio e não-diabético também pode apresentar uma hipoglicemia quando pratica uma atividade física intensa, de longa duração, sem consumir a quantidade de carboidratos requeridas pelo seu organismo.

O tratamento de uma hipoglicemia é bem simples e geralmente agradável: consumir algum tipo de alimento rico em carboidrato, como doces, biscoitos, sucos e refrigerantes (não-dietéticos, claro). Normalmente, uns 15 minutos são necessários para a glicemia começar a subir em resposta a este tratamento.

Caso a hipoglicemia seja muito severa, o indivíduo pode chegar a perder a consciência, tornando o tratamento bem mais complicado. Neste tipo de situação, não deve ser fornecido alimento sólido ou líquido à pessoa inconsciente, pois isto poderia provocar engasgos e sufocamento. Se for possível, a pessoa deverá ser levada a um posto de saúde para ser tratada com glicose intravenosa ou glucagon. Um tratamento alternativo e eficaz, quando não há disponibilidade de socorro próximo, é a aplicação cuidadosa de pequenas quantidades de açúcar ou mel entre a gengiva e a bochecha da pessoa desmaiada, seguida de massagem nesta região para acelerar a absorção do açúcar na boca. Após algum tempo a pessoa irá recobrar a consciência, podendo ingerir uma quantidade maior de carboidratos para normalizar a glicemia.

Termina a caminhada. Vamos todos, inteiros e contentes por mais uma excursão realizada, jantar em algum lugar que nos aceite apesar de sujos e esgotados. Quando chegarmos lá volto a verificar a glicemia e tomo a insulina necessária para a refeição.

Fim da excursão.

Eduardo Buarque
Novembro/2001


A UNICERJ e a Escola de Guias‹‹ anterior 
|
 próxima ››Conquistas Representativas Realizadas com a Participação de Sócios da UNICERJ

Versão para impressão: