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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Boletim n°3 - Ago. 1999
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Editorial

"Existe uma falsa glamurização, que atinge principalmente os mais jovens, que associa ao montanhismo um risco obrigatoriamente elevado. É imprescindível perceber-se que a prática prazerosa e de alto nível do montanhismo, inclusive das escaladas tecnicamente desafiadoras, pode e deve ser realizada com segurança, traduzindo respeito à vida humana e humildade diante das forças da natureza.
Algumas pessoas têm tentado impor, de modo autoritário, que a prática do montanhismo esteja restrita a uma condição de temeridade, muitas vezes arrancando das escaladas os grampos, que constituem artefatos de segurança afixados na rocha para segurança dos montanhistas."
*

*Reprodução parcial da 3ª Carta Aberta aos Montanhistas do Rio de Janeiro e à Sociedade, publicada no Jornal do Brasil no dia 27 de abril de 1998.

Em janeiro de 1999, no segundo Boletim da UNICERJ, divulgamos na página central um croqui detalhado de uma conquista, por nós realizada em 1995, denominada Descida Rio de Janeiro - Dedo de Deus, com 255 metros de extensão, permitindo ir do cume à bifurcação em 14 rappels. Esta via de descida vem sendo realizada com freqüência por nós e muitos outros escaladores que passaram a prestigiar esta nova opção.

No início de junho deste ano, numa excursão ao Dedo de Deus, constatamos um vandalismo que resultou na destruição da Descida Rio de Janeiro, de parte da Variante Gilda Borges e de dois grampos da Face Leste, muito importantes em casos emergenciais. Este ato irresponsável, não isolado, consistiu na retirada de 8 grampos, sendo dois deles vitais como ponto de parada da Descida Rio de Janeiro. Esta conduta foi nitidamente premeditada, haja visto que os escaladores arrancadores de grampos usaram de refinada perícia para fechar os furos dos grampos retirados, tapando-os com massa, previamente preparada, imitando a mesma cor da pedra com óbvia intenção de apagar qualquer vestígio de que ali existe uma conquista.

Dedo de Deus, Descida Rio de Janeiro - Local onde havia um grampo que foi arrancado e o furo tapado com massa da cor da pedra. "Na primeira noite,
eles se aproximam
e colhem uma flor
do nosso jardim,
e não dizemos nada.
Na segunda noite,
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia
o mais frágil deles
entra sozinho na nossa casa,
rouba-nos a Lua e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta
E porque não dissemos nada
Já não podemos dizer nada"

Maiakowsky


Para quem nos conhece, tomamos a única atitude como resposta a este ato: os grampos já foram rebatidos, mas antes cuidamos de fotografar o estrago feito nas Conquistas. A UNICERJ, reafirmando o compromisso com seus princípios fundamentais transcritos nas Cartas Abertas, não será omissa nem conivente com essas atitudes.

Outros exemplos ocorreram também nas seguintes escaladas:

Pão de Açúcar
- Variante Tarcisio Rezende
- Par. Secundo Netto

Corcovado
- Par. K2
- Variante Nanga Parbat

Tijuca Mirim
- Fissura Primus

Pedra da Gávea
- Carrasqueira

Pontal
- Oposição Dialética
Morro da Boa Vista
- Par. Farias

Morro do Pastor
- Par. Quarup

Escalavrado
- Via Normal
- Par. Hélio Paz

Torre Central de Bonsucesso
- Chaminé Brasil

Pico Maior de Friburgo
- Variante Trem da História
- Variante Indio do Brasil
- Via Sylvio Mendes

Seguindo o mesmo ritual, vários grampos foram retirados destas vias, por aqueles que se intitulam detentores do direito de determinar como se deve escalar montanhas.

Numa pretensa hegemonia entre Clubes, são tomadas algumas decisões, divulgadas nos seus Boletins*, que pretendem interferir na liberdade indelével de cada cidadão, e que podem se traduzir em riscos obrigatoriamente elevados, que certamente é o único resultado funesto destes atos, pois a dificuldade da via não se altera, considerando, a nosso ver, que é um engano e uma estupidez abissal pretender classificar a dificuldade de uma escalada com base na quantidade e na distância entre os pontos de apoio.

*"Ricardo de Morais, após uma investida ao Dedo para retirar alguns grampos, comenta o uso da marreta que o André Ilha havia emprestado para bater alguns grampos: 'é, eu tenho usado muito esta marreta. Não bati nenhum grampo, mas tirei vários...'"
Boletim de junho de 1999 do Clube Excursionista Carioca (CEC).

Esta prática de arrancar e quebrar grampos, em nome de um pretenso direito autoral, que em nossa opinião atua como cortina de fumaça e armadura de um tecnicismo exacerbado e vaidades injustificáveis, nos impõe necessariamente a providências no âmbito da sociedade e nas próprias excursões, na tentativa de prevenir conseqüências dolosas à integridade física dos montanhistas, pois não mais sabemos se os grampos estarão lá.

Esta celeuma, sem previsão de solução pacífica num horizonte próximo, porque carrega o desejo insensato de vanglória, no coração daqueles que usam a escalada como meio de auto-afirmação social ou mero deboche com a própria sorte, propõe a seguinte reflexão, aproveitando a pergunta de Carlos Perez do Instituto Pedra da Gávea em sua carta dirigida à Administração do Parque Nacional da Tijuca:

"...A preservação consciente da vida, por nós, é uma obrigação...em nome dessa ética cretina que alguns alpinistas querem impor a outras pessoas, para as quais subir montanha não é um desafio, nem uma vitória sobre as dificuldades naturais, e muito menos sobre a montanha, mas apenas ir aonde nos sentimos bem, vão morrer mais pessoas, infelizmente. Quem vai ser responsável?..."

Estamos recolhendo provas documentais (fotografias, videos e textos) e testemunhais sobre tais acontecimentos, incluindo relatos de pessoas que tiveram dificuldades e problemas causados por falta de grampos, principalmente os de descidas. Se algo de grave acontecer ou ainda se alguém se sentir ameaçado na sua integridade física por conta dos fatos relatados, estaremos prontos para identificar e processar criminalmente os responsáveis.

Os que arrancam e quebram grampos das escaladas e das descidas, e os que divulgam esta prática como se fossem ganhadores de um troféu de mérito, acabarão sendo execrados publicamente, quando seus atos irresponsáveis levarem o montanhismo rumo ao vazio e aos acidentes graves e até mesmo fatais que muito provavelmente ocorrerão.

Ainda é tempo de mudança de rumo para que o montanhismo possa continuar sendo um espaço de liberdade, preservando as emoções sem abrir mão da segurança.


Flagrantes da excursão do Centro Excursionista Brasileiro (CEB) no Escalavrado, 14 de dezembro de 1997

Fotos 1 e 2 - Participantes arrancando grampos
Foto 3 - Rappel montado em árvore após retirada de grampo
Foto 4 - Incoerentemente, os mesmos que arrancaram os grampos neste dia, costuraram um grampo rebatido ao lado de outro amassado anteriormente.


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