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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Boletim n°5 - Nov. 2000
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Travessia do Canyon Fortaleza

Este relato não é destinado somente a uma simples travessia de canyon, ele é muito mais do que isto. É a descrição da amizade com uma pessoa, com uma família e com uma associação de escaladores.

Na maioria das vezes não nos damos conta das pessoas que estão ao nosso redor. Simplesmente as ignoramos e tocamos a vida adiante. No final de um dia, por quantas cruzamos? Quantos bom dias ou agradecimentos saudamos? Quantas vezes estendemos a mão para cumprimentar alguém? Certa vez, vi uma pessoa na parada para café em uma viagem de ônibus.

Não lembro bem o dia que foi, mas tenho certeza que era outubro de 1999. Estava voltando de Porto Alegre com destino ao Rio de Janeiro. A primeira parada que o ônibus faz é em Sombrio, Santa Catarina. Quando estava indo tomar um café vi um "japonês" com a mochila toda embarrada. Na hora veio à minha cabeça: "Mais um atravessando algum canyon da região". Deixei-o para trás e fui tomar meu café. Voltei ao ônibus e quando chegamos a Curitiba novamente vi o "japonês". Não tive dúvida. Fui perguntar por onde ele havia andado com aquela mochila embarrada. Ele respondeu-me três coisas importantes: não era japonês e sim chinês; seu nome era Willy Chen; e havia atravessado o Canyon Malacara.

Após muita conversa e troca de informações, ele convidou-me para conhecer uma associação chamada UNICERJ. Como na época estava escalando com um pessoal do exército e estava a procura de novos conhecimentos, topei. Não preciso relatar aqui a acolhida do grupo e todas as pessoas maravilhosas que estão por lá. Basta o agradecimento pela oportunidade de aprendizado que me deram.

Passou-se o ano de 1999 e finalmente estamos em 2000. Moro hoje em São José dos Campos - São Paulo e não tenho tido muitas oportunidades de me aventurar por lá. Porém, nestas férias de julho, telefonei para o Willy e disse: "Tem um canyon no Rio Grande do Sul chamado Fortaleza. Está a fim de atravessar? Chame o pessoal daí que quiser aparecer." Foi tudo muito rápido, e acabou aparecendo aqui somente o "da mochila embarrada".

Nossa aventura começa às 4:30h da manhã do dia 13 de julho. Pegamos o ônibus com destino a São Francisco de Paula - RS, às 6:15h (o preço da passagem é aproximadamente R$ 6,00). Passeio tranqüilo para quem não tem pressa de chegar, mas se "tem que tirar o pai da forca", vai a pé. Chegamos ao destino às 9:30h e logo pegamos um outro ônibus até Cambará do Sul - RS (preço R$ 5,00), onde por volta das 11:30h chegamos. Como dizem por aqui: "a coisa já estava mais feia que pensamento de amante amargurada". O frio já era de lascar. Estava tudo congelado, o pasto, a água, meus pés e nossas idéias. O amigo carioca tremia mais que bambu verde. Mas o melhor ainda estava por vir.

Cambará do Sul é o ponto de referência para a maioria dos canyons da região. Dali é possível ir para o Itaimbezinho, Malacara, Churriados, Índios, Fortaleza, entre outros.

Como não há um ônibus para o Fortaleza, pegamos então um taxi até o canyon que fica a pelo menos 25 km da cidade (o custo é de R$ 30,00). Deixamos a nossa condução motorizada para trás em frente a subida do Mirante. O Mirante é a parte final do canyon, de onde pode ser vista toda a sua extensão. De lá também é possível observar a praia de Torres - RS, Sombrio - SC e consequentemente o mar. O vento e o frio lá eram impressionantes, chegando ao ponto de termos que ficar parados em um lugar esperando as rajadas amenizarem. Lá de cima também era possível ver as cascatas congeladas. Tudo ao redor parecia estático devido ao frio. No ponto de queda da água, estava tudo branco, congelado. Lacas de gelo voavam sobre nossas cabeças, arrancadas pelo vento. "Chovia picolé de baixo para cima". O vento que batia forte nas paredes do canyon, arrancava este gelo. Portanto tínhamos a impressão que alguém arremessava as lacas de gelo lá debaixo em nós.

Quando já estávamos para descer e ir para o acampamento, encontramos um grupo de escoteiros de Curitiba. Eles haviam passado a noite do dia 12 para o dia 13 acampados. Falaram sobre o frio que enfrentaram à noite e de sua ida para uma região mais próxima ao mar, no intuito de encontrarem um clima mais ameno. Pegamos uma carona com eles até o local onde seria nosso acampamento base. Assim que largamos as mochilas no chão, começou a nevar. Mesmo eu sendo gaúcho, nunca havia visto neve. "Tri legal!" Ao meu ver, só este acontecimento já havia pagado o passeio. Montamos o acampamento em um lugar mais abrigado do vento e da neve e fomos cozinhar. Devo admitir que estava frio demais. Não sei precisar o quanto, mas a coisa estava mais difícil que "nadar de poncho". A gente não tremia, chacoalhava. Pior ainda foi para conseguirmos dormir. Por volta das 18:30h, tentamos entrar para dentro do saco de dormir. Mas simplesmente ele não aquecia. O Willy me emprestou uma meia de lã, e mesmo assim o pé estava dormente. No meio da noite ainda comentei: - "Willy até podemos ir, mas se nossa roupa molhar, a chance de congelarmos será bastante grande". Ele, com sua experiência adquirida com o tempo, deu o veredicto: - "Se molhar, caminhamos a noite toda". Portanto estava solucionado o possível problema de termos nossas roupas molhadas.

Por volta das 8:00h da manhã começamos a caminhar em direção ao vértice. Após algumas paradas para fotos e de contemplar a Pedra do Segredo, entramos mata adentro até a base do canyon. Esta parte da caminhada é a mais problemática de toda a travessia. Grande parte da trilha é tomada pela mata e, algumas vezes somos obrigados a abrir novos caminhos.

Para chegarmos a base, sempre que possível, desviamos de alguma cachoeira. Porém, exatamente na penúltima queda antes de chegarmos ao fundo, tomamos o caminho errado. No sentido de descida, pegamos à direita ao invés da esquerda. O Willy lançou a corda e seguiu em um rapel para ver se chegávamos ao fundo. Além de não chegar, o local era a base da queda d'água que estávamos tentando desviar. A presença de meu colega neste momento foi extremamente importante para o sucesso da travessia. Ele tomou parte da situação e decidiu que iríamos seguir pela esquerda. Feito isto, transpomos o obstáculo e continuamos seguindo rumo ao fundo do canyon.

Por volta das 18:00h paramos em um local de acampamento tradicional na travessia. Do lado direito existe uma área plana, bem protegida, com ótimas posições para a colocação de redes. A temperatura já estava mais amena, e a noite foi tranqüila e de sono profundo.

Recomeçamos a caminhar por volta das 8:00h. Metade do caminho é percorrido no meio da mata, para desviar de quedas d'água e afunilamentos; e o restante em meio ao Rio das Pedras. A via nesta parte da caminhada é bastante marcada, deixando poucas dúvidas para os que estão fazendo a travessia pela primeira vez. Prestando atenção às marcas nas árvores e a alguns marcos deixados, pode-se guiar de maneira fácil através da caminhada.

Foram necessários quatro rapels ao longo da caminhada, porém, ao menos um poderíamos ter evitado. Todos são feitos em lugares de pouco ou nenhum volume de água.

O final do canyon foi atingido por volta das 17:00h, quando somos obrigados a caminhar por uma estrada até Serra da Pedra, vilarejo pertencente a Jacinto Machado - SC. Nos primeiros quilômetros encontramos uma menina que nos passou a informação que poderíamos pegar uma carona até Serra da Pedra. Aceleramos o passo e conseguimos ir de trator até lá. Ficamos sabendo porém, que haveria um bingo no salão da cidade. Como o único lugar para dormir era lá, logo imaginamos que o melhor a fazer era ir para Jacinto Machado. Chegando ao vilarejo vimos dois caminhões saindo. Atacamos um deles e conseguimos um prolongamento de carona na caçamba. Por volta das 20:00h já estávamos em Jacinto Machado, de banho tomado, lugar para dormir, e esperando uma pizza em um restaurante.

No Domingo, dia 16, pegamos um ônibus para Sombrio - SC às 7:45h. Na rodoviária de Sombrio, Willy se despede indo para o Restaurante Japonês (que fica na beira da estrada), para pegar um ônibus para o Rio de Janeiro. Eu fui para Porto Alegre no ônibus das 10:10h.

Como conclusão pode-se definir algumas coisas:

Para uma travessia como esta, sempre faz-se necessário a inclusão de agasalhos quentes. Mesmo sabendo disso, passamos frio.

A utilização do material certo para a situação é de crucial importância:

- Saco de dormir adequado - o Willy estava com um saco confortável até -10ºC e mesmo assim tremia de frio.

- Redes de selva com cobertura - dentro dos canyons o chão é constituído basicamente de desmoronamentos, portanto não existe muitos lugares planos para colocar barracas. Uma rede de selva protegida nas costas e com um toldo é a melhor opção.

- Caneleiras - já muito utilizadas por nós é sempre um material de segurança indispensável. Muitas topadas em pedras podem até causar perfurações.

- Boa alimentação - indispensável para quem irá passar mais de um dia fora de casa. Deve ser leve e de fácil digestão. Frutas, biscoitos, sanduíches, cenouras, pepinos, barras energéticas. Durante a noite massas instantâneas e chá. Para os que não tem fogareiro, dois potes de álcool sólido resolvem o problema.

- Anorak - para climas muito frios, com possibilidade de chuva. É leve, maleável, além de proteger contra espinhos, galhos e raspões.

- Calçado - tem que ser um tênis para treking mesmo, não os comuns. Um solado que de aderência para as pedras mais íngremes, dando firmeza aos pés.

- Corda - depois de nos informarmos da quantidade de rappels e principalmente seus tamanhos, escolhemos uma corda de 50m.

E principalmente, nunca se esqueça de levar um bom companheiro para a aventura.

Maurício Capra


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